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Nº 1746 - Ano 37
29.8.2011


“A LITERATURA será uma ESCOLHA entre muitas”

Gabriella Praça

Especializada em estudos culturais, literários e teorias do pós-colonialismo, a pesquisadora Diana Brydon, da Universidade de Manitoba, no Canadá, diz que a globalização opera em dois eixos. Por um lado, amplia a comunicação entre indivíduos, fazendo-os pensar no mundo como um espaço homogêneo. Afinal, fomenta o desejo das pessoas em saber mais sobre outras partes do mundo, porque querem fazer comércio, viajar ou simplesmente são movidas pela curiosidade a respeito de outras culturas. Por outro, a globalização estimula um movimento de valorização das identidades locais e das diferenças.
No início do mês, Diana esteve na UFMG para ministrar palestra sobre a mobilidade do conhecimento na era digital, na abertura do colóquio sobre migrações literárias da Faculdade de Letras, e concedeu a seguinte entrevista ao BOLETIM:

As mídias digitais libertaram a literatura do suporte do papel e abriram novas possibilidades para a criação e a experimentação. Em uma época de narrativas transmidiáticas, croudsourcing e microcontos no Twitter, como definir a literatura?

A literatura está em constante metamorfose. Minha definição é ampla, pois inclui narrativas para telefones celulares, Twitter, posts em mídias sociais. A literatura é a criação imaginativa de indivíduos e comunidades que desejam contar suas próprias histórias ou brincar com palavras e imagens. Ainda há espaço para longos romances, mas a literatura está respondendo às novas mídias: mais e mais pessoas escrevem para esses meios, permitindo aos leitores traçar seu próprio caminho ao longo das histórias, que encontrem seus próprios finais, incorporando imagens visuais e sons ao longo do texto. A pesquisadora Katherine Hayles, autora do livro How we became posthuman, fala sobre como vivemos em uma cultura da convergência. As pessoas ainda precisam das formas profundas e engajadas de leitura que um longo romance demanda, mas vem ocorrendo uma forma de hiperatenção, na qual se podem ler muitas coisas ao mesmo tempo, exercendo a multitarefa – e essa é uma nova maneira de leitura que tem se desenvolvido como resposta.

A experiência de leitura mudou. Ler, agora, não significa apenas “ler”, na tradicional acepção da palavra...

A leitura, agora, pode envolver audição e sensações de formas diferentes daquelas às quais estamos acostumados. Ainda chamamos esse processo de leitura, mas podemos ler com hiperatenção ou podemos ler com uma profunda e imersiva atenção. A leitura está mudando, a literatura está mudando e a escrita também. O que queremos dizer com escrita envolve, cada vez mais, vídeos ou fotos, mas a literatura sobreviverá enquanto as pessoas quiserem se comunicar umas com as outras. A literatura é uma forma estruturada de comunicação.

A literatura tem perdido espaço para outras formas de expressão?

Sim. Certas pesquisas sobre jovens americanos sugerem que eles têm gastado mais horas navegando na internet e assistindo TV do que lendo. Mas a literatura foi, durante a maior parte de sua história, uma ocupação principal, que se democratizou no século 19, em certos países, mas não globalmente. Agora, ela não é mais a principal forma de dar vazão à imaginação, pois precisa dividir espaço com filmes e outras mídias, como os games, por exemplo.

No dia a dia de escolas e universidades, como os professores devem lidar com essa relativização da literatura?

Precisamos continuar ensinando sobre romances, poemas e peças de teatro, porque as pessoas querem descobrir esses tipos literários, mas não sabem onde procurá-los. Há tanta informação que é difícil saber quais seriam os bons livros. Além disso, o que se encontra vem, em geral, do mainstream. Ensino novelas do Caribe, da África, da Índia, do Pacífico Sul; as pessoas na América do Norte não sabem onde achar esses livros. Sendo assim, é nosso papel prover os alunos de algo a que eles não terão acesso em outro lugar.

Há tanta informação disponível que as pessoas não sabem o que ler e sequer procurar...

Exatamente. Essa ideia de cultura da convergência é a de que a literatura sobreviverá, mas em consonância com todas essas outras mídias. Ela será uma escolha entre muitas. Mas como a literatura fornece uma experiência tão rica, creio que ela sobreviverá. Enquanto houver professores para ensiná-la, haverá leitores para apreciá-la.

A democratização do acesso à informação propiciada pela internet leva, necessariamente, a uma maior produção de conhecimento?

Precisamos democratizar a educação, para que ela se torne disponível a todas as pessoas, em todas as partes do mundo – e a mesma situação ocorre com a internet, que também não é acessível a todos. Mas o mais importante é possibilitar que cada um desenvolva suas capacidades críticas. Acredito que as pessoas possam aprender em grupos, por si próprias. No entanto, embora a educação formal não seja condição intrínseca ao aprendizado, as escolas podem otimizá-lo. Todo mundo tem a capacidade de aprender, mas ela precisa ser estimulada e formatada.

Como expressões literárias locais encontram voz em uma sociedade na qual a globalização não se dá de maneira homogênea?

Acredito que mais traduções devam ser feitas – em vez de traduzir-se tudo para o inglês, deve-se traduzir do português para o chinês, por exemplo. Há aspectos positivos e negativos a respeito da globalização, mas eu não acredito que ela irá, necessariamente, matar línguas minoritárias; não creio que precisemos nos homogeneizar em uma única cultura.