Busca no site da UFMG

Nº 1746 - Ano 37
29.8.2011

O termo surgiu em 2004 com Thomas Vander Wal, para designar uma classificação popular que se origina das ações de representação da informação desempenhada pelos usuários de diversos serviços na web. É uma inovação que explora o uso da linguagem cotidiana e o potencial das redes sociais na organização da informação.

Machado, o escritor-leitor

À luz da psicanálise, pesquisadores revelam em livro como
as leituras de Machado de Assis aparecem em sua obra

Itamar Rigueira Jr.

 

 

“Deixa lá dizer Pascal que o homem é um caniço pensante. Não; é uma errata pensante, isso sim. Cada estação da vida é uma edição, que corrige a anterior, e que será corrigida também, até a edição definitiva, que o editor dá de graça aos vermes.”

 


Neste trecho de Memórias póstumas de Brás Cubas, ao citar o filósofo francês do século 17 Blaise Pascal, Machado de Assis revela uma de suas preferências como leitor. Mais que isso, a passagem é um exemplo eloquente do que faz o escritor com as referências extraídas de suas leituras. Longe de ser um consumidor passivo de obras de várias épocas, ele produziu, a partir do que leu, novos textos e saberes, segundo análise que consta do livro Machado de Assis leitor: uma viagem à roda de livros, recém-lançado pela Editora UFMG.

“Machado não foi um escritor-leitor deslumbrado. Ele não citava simplesmente, mas imprimia uma crítica, uma diferença”, afirma Ruth Silviano Brandão, professora aposentada da Faculdade de Letras (Fale) da UFMG e coautora do livro com o psicanalista José Marcos Resende Oliveira.

Ela acrescenta que muitos escritores citam por imitação, plágio ou fascinação pela literatura consagrada. “Genial, Machado de Assis não se propunha especificamente a falar de filosofia ou política, mas abordava esses temas com maestria, usando de forma única as referências de suas leituras”, ela comenta. “Quando diz que o homem é uma errata, ele se refere à ideia de andar sem sentido e ao mesmo tempo faz analogia entre o homem e o texto.”

Segundo Ruth Silviano Brandão, está ultrapassada a tese da originalidade absoluta que vigorava desde o Romantismo. Apesar de criativo, o escritor nunca parte do nada, pois tem leituras e todo um repertório que vem de outros escritores. Pode-se acrescentar também que o escritor criativo reflete sobre a construção da própria literatura. Também em Memórias póstumas..., lembra Ruth, o narrador, que se classifica como “um defunto-autor e não um autor defunto”, faz observações a respeito do livro e da construção dele.

Sujeito dividido

Fundadora da linha de pesquisa em literatura e psicanálise na Fale, Ruth Silviano Brandão salienta que o livro não pretende “pôr Machado de Assis no divã”, mas trabalha a questão de como a escrita coloca o sujeito dividido, que atua em outra dimensão, que não coincide com sua dimensão civil. “Nossa leitura parte de Freud e Lacan e considera como a escrita lança mão de fantasias e desejos do autor”, conta a pesquisadora. Ela lembra que o Bento Santiago, de Dom Casmurro, tem a escrita marcada pelo ciúme, pelo rancor e pelo medo de ser traído, questões caras à psicanálise.

De acordo com José Marcos Oliveira, outra questão da psicanálise é crucial para a abordagem do livro. “Machado personifica, como escritor, o sujeito que se serve do campo do outro. Ao contrário do que prega o senso comum, uma obra se alimenta de obras alheias, e Machado de Assis conviveu com vários autores, como Homero, Luciano de Samósata e Dante”, explica José Marcos, doutor em literatura comparada e que fez toda a pós-graduação na UFMG sobre Machado de Assis, sob orientação de Ruth Silviano Brandão.

O “bruxo do Cosme Velho” foi leitor sofisticado também de mitologia e da Bíblia – este o verbete mais extenso do dicionário de citações de Machado produzido como apêndice para o livro. No conto Sermão do diabo, ele faz uma paródia do Sermão da montanha, e em Dom Casmurro mostra como o mundo foi criado por Deus e pelo diabo. Ruth Silviano Brandão diz que Machado de Assis lê a Bíblia como ficção. “Ele tinha preferência pelo Eclesiastes, um livro melancólico, o que condiz com o olhar melancólico que lançava sobre a humanidade.”

Machado de Assis leitor segue a linha traçada por Jorge Luís Borges, que estudou os precursores de Kafka, a quem reconhece “em textos de diversas literaturas e diversas épocas”. Da mesma forma, como afirmam na apresentação do livro, os autores veem que “o tempo da literatura é outro e não seria preciso conhecer a Biblioteca de Machado de Assis para retomar Pascal, Erasmo, Shakespeare”.

Livro: Machado de Assis leitor: uma viagem à roda de livros
De Ruth Silviano Brandão e José Marcos Resende Oliveira
Editora UFMG
241 páginas / R$ 36 (preço sugerido)