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Nº 1749 - Ano 37
19.9.2011

opiniao

Devagar, DEVAGARINHO

Marcos Fabrício Lopes da Silva*

Velocidade máxima, compreensão mínima. A pressa é amiga da pressão e inimiga da reflexão. Ligeira, a humanidade se atropela, metendo os pés pelas mãos. Sempre atrasados, tudo pra ontem, pisamos no acelerador como se não houvesse freio. À medida que aprendemos a correr, era como se desaprendêssemos a andar. Caminhar à toa parece uma ofensa, um crime de lesa-agenda. Só vale o que for programado. Pintando uma brecha, divirta-se, mas não se empolgue muito. O lazer é tido como vilão do batente. Por isso, ao invés de dignificar, o trabalho está danificando o homem.

Devorar não é o mesmo que apreciar. Estamos perdendo a nossa capacidade de contemplação e entendimento. Evitando dilemas e esforços, queremos fórmulas e atalhos. Confundimos encontro com contato. Tristes aqueles que se sujeitam aos manuais de felicidade. Estão plantando euforia e vão colher depressão. Desconhecem o prazer profundo, que é de outra ordem. No poema Minha alegria (1996), Waly Salomão soube abraçar a complexidade presente na satisfação íntima de acolher a diversidade sentimental que compõe a vida em sua magnitude, considerando perdas e ganhos: “minha alegria permanece eternidades soterrada/e só sobe para a superfície/através dos tubos de filtros alquímicos e não da causalidade natural./ela é filha bastarda do desvio e da desgraça,/minha alegria: um diamante gerado pela combustão, como rescaldo final de incêndio”.

Qualquer dificuldade é logo enquadrada como grave transtorno, sendo considerada um grande empecilho para a vitória tão cobiçada. “Tire o seu sorriso do caminho que eu quero passar com o meu trator”, brada o guerreiro com gula de conquista, mas desnutrido de diálogo. Como prática a serviço da pluralidade de ideias, o diálogo se mostra como ação cooperativa que visa abrir questões, estabelecer relações, compartilhar ideias, além de promover questionamentos e aprendizados. Pobre é vencer, nobre é convencer. Etimologicamente, convencer significa “vencer junto com o outro” e não contra o outro. Coitado não é o derrotado, mas o vitorioso. Querem saber como se comporta o “papa-títulos”, papado pela vaidade e soberba? Com a palavra, Marcelo Camelo, músico e compositor da canção O vencedor (2003), que integra o repertório da banda Los Hermanos: “olha lá quem vem do lado oposto/e vem sem gosto de viver/Olha lá que os bravos são escravos/sãos e salvos de sofrer/Olha lá quem acha que perder/é ser menor na vida/Olha lá quem sempre quer vitória/e perde a glória de chorar/Eu que já não quero mais ser um vencedor,/levo a vida devagar pra não faltar amor (...)”.

A voz poética, na referida canção, traz, de maneira crítica, o arquétipo do guerreiro e do conquistador. O guerreiro, que pensa a todo momento em sua sobrevivência, tem como modelo o ser autárquico, que se basta a si mesmo, pois para ele é perigoso ter que depender em algum momento do “inimigo”. Por implicar uma descentração, um estar aberto ao outro, um deixar-se assaltar pelas intensidades ambientais que chegam ao corpo, o conquistador se esconde na figura do sujeito frio, insensível e calculista que se fecha sobre a experiência afetiva impondo a qualquer preço suas intenções e projetos egocêntricos. Neste estilo de vida pautado pela busca frenética de eficácia, produtividade e conquista, a ideologia latente se configura no princípio unilateral de dominação do outro, do mundo, da natureza. Esse modo de ser mata a ternura, liquida o cuidado e fere a essência humana.

O culto à velocidade, no contexto apresentado, se coloca como fruto de um imediatismo processual que celebra o alcance dos fins sem dimensionar a qualidade dos meios necessários para atingir determinado propósito. Tal conjuntura favorece a lei do menor esforço – a comodidade – e prejudica a lei do maior esforço – a dignidade.

Desacelerar é preciso. Acelerar não é preciso. Afobados e voltados para o próprio umbigo, operamos, automatizados, falas robóticas e silêncios glaciais. Ilustra bem esse estado de espírito a música Sinal fechado (1969), de Paulinho da Viola. Trata-se da história de dois sujeitos que se encontram inesperadamente em um sinal de trânsito. A conversa entre ambos, porém, se deu rápida e rasteira. Logo, os personagens se despedem, com a promessa de se verem em outra oportunidade. Restrito a uma linguagem fática, percebe-se um registro de comunicação vazia e superficial, cuja tônica foi o contato ligeiro e superficial construído pelos interlocutores: “olá, como vai?/Eu vou indo, e você, tudo bem?/Tudo bem, eu vou indo correndo,/pegar meu lugar no futuro. E você?/Tudo bem, eu vou indo em busca de um sono/tranquilo, quem sabe?/Quanto tempo.../Pois é, quanto tempo.../Me perdoe a pressa/é a alma dos nossos negócios.../Oh! Não tem de quê./ Eu também só ando a cem (...)”.

Como modelo alternativo à cultura fast, temos o movimento slow life, cujo propósito, resumidamente, é conscientizar as pessoas de que a pressa é inimiga da perfeição e do prazer, buscando assim reeducar seus sentidos para desfrutar melhor os sabores da vida. Sobre o assunto, Carl Honoré escreveu o livro Devagar (2007). Momentos antes, o elogio da lentidão já tinha sido feito pelo compositor Eraldo Divagar, na sábia canção Devagar, devagarinho (1995), imortalizada por Martinho da Vila. O apressado é aqui retratado como um sujeito desastrado, que, por conta da vida alucinante, vai acabar tropeçando, podendo, assim, se machucar, além de perder a paciência e a compostura.

Quem tem pressa – continua a música – sofre do mal de querer abarcar o mundo. Agindo assim, “deu com a cara no asfalto/se virou, olhou pro alto/com vontade de chorar”. Como ensinamento, eis o bordão: “devagarinho/é que a gente chega lá”. Fica a lição de vida: “e desse jeito/vou driblando os espinhos/vou seguindo o meu caminho/sei aonde vou chegar”. Ou seja, apressado você cansa, devagar você alcança.

* Jornalista formado pelo Centro Universitário de Brasília. Doutorando e mestre em Estudos Literários/Literatura Brasileira pela Faculdade de Letras da UFMG. Graduando em Letras (Português e Inglês) pela Faculdade Pitágoras.

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