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Nº 1761 - Ano 38
12.12.2011

O termo surgiu em 2004 com Thomas Vander Wal, para designar uma classificação popular que se origina das ações de representação da informação desempenhada pelos usuários de diversos serviços na web. É uma inovação que explora o uso da linguagem cotidiana e o potencial das redes sociais na organização da informação.

Os Lispector, por Elisa

Livro reproduz retratos de família e relato de memória produzido pela irmã mais velha de Clarice Lispector

Itamar Rigueira Jr.

Imaginemos a cena: uma senhora folheia um antigo álbum de fotografias, motivada também pela curiosidade de uma sobrinha-neta. Até então, nada de mais. Acontece que esse evento simples gerou um relato de memória sobre a família judia russa das escritoras Elisa e Clarice Lispector. Parte dos retratos e o “esboço” de texto – assim a própria autora se referiu ao material – estão reunidos no livro Retratos antigos, que a Editora UFMG lança em janeiro.

Elisa Lispector dá detalhes sobre ­pessoas e costumes, descreve rituais religiosos e pratos típicos servidos nas datas especiais. Conta sobre dias de fartura e alegria e também sobre os tempos de violência que se seguiram, com a perseguição aos judeus e o assassinato dos avós maternos, que tiveram sua propriedade destruída. “Apesar se seu caráter não definitivo, este é um documento que permite conhecer melhor a história dos Lispector e desse período da história russa”, afirma Nádia Battella Gotlib, organizadora do volume.

De acordo com Nádia, a obra tem como características marcantes o modo como a história da família – de trabalhadores rurais e comerciantes – é contada por Elisa, que volta a seu tempo de infância para reconstruir o passado com o filtro da maturidade. “O texto é movido por intensa e respeitosa comoção da narradora diante dos sofrimentos que levaram o pai, Pedro, a deixar a Ucrânia em direção ao Brasil”, salienta Nádia Gotlib, que foi professora de literatura brasileira na USP.

Pesquisadores da obra de Clarice Lispector não devem ficar muito excitados com a publicação. Não há menções diretas à autora de Aprendendo a viver e A hora da estrela, uma vez que o relato remete ao tempo dos avós e pais, mais o período de infância de Elisa (nascida Leia), que não coincide com a de Clarice (Haia), nove anos mais nova. Nádia Gotlib chama a atenção para uma diferença entre as irmãs: Elisa dedica-se ao registro da história de família, enquanto Clarice não tem essa preocupação. “Quando ela conta algo, fornece um dado ou outro e logo desvia o rumo, com perguntas ou sugestões que pretendem levar o leitor para outras plagas do imaginário. Escreveu crônicas de teor autobiográfico, mas o apelo literário acabava sendo mais importante que uma suposta veracidade do registro.”

Elisa, ao contrário, dedicou-se de forma intensa a esse tipo de relato, que aparecem sua obra sob várias formas: além de textos de memória, ela escreveu contos e romances (como No exílio, de 1948) autobiográficos, “com especificidades narrativas bem marcadas”, segundo Nádia Gotlib.

Revirando o baú

A organizadora já tinha conhecimento do “baú de Elisa”, que após sua morte, em 1989, passou para as mãos da irmã Tânia. Alguns dos documentos desse acervo foram utilizados por Nádia Gotlib no livro Clarice fotobiografia, de 2009, e ela esperou por uma oportunidade de trabalhar com o texto Retratos antigos. Segundo a organizadora, a edição preserva ao máximo características da linguagem de Elisa, como a grafia dos nomes próprios e de palavras em língua estrangeira. Uma introdução assinada por Nádia oferece explicações e sugestões de leitura. E o livro inclui textos escritos nos versos de algumas das fotos, traduzidos do russo, do hebraico e do ídiche.

De acordo com o texto de abertura, o contato com o álbum de retratos – grande, “de capa de couro marrom com desenho em baixo relevo, papel estampado nas folhas de guarda, vinhetas entre os recortes das páginas” – tem o poder de efetivamente avivar lembranças. Elisa Lispector, segundo Nádia Gotlib, também lança mão de recursos ficcionais: “Quem escreve esse texto de memória é uma boa escritora. Sem ser ficção, beira a ficção.” Mas Elisa prefere usar a primeira pessoa para propor ao leitor, na visão de Nádia, acompanhar seus antepassados deixando-se “levar pelo forte poder de evocação da imagem”.

Livro: Retratos antigos
De Elisa Lispector
Organizado por Nádia Battella Gotlib
Editora UFMG (lançamento em
janeiro de 2012)