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Nº 1768 - Ano 38
26.3.2012

opiniao

Start-up: modelo inédito de
transferência de tecnologia

*Nivio Ziviani

A produção científica brasileira vem crescendo nos últimos 15 anos, e é responsável hoje por 2,7% da produção mundial, mas não gera riqueza na proporção que deveria se comparada com o que ocorre em países desenvolvidos. Além disso, de acordo com Brito Cruz (A Universidade, a pesquisa e a empresa, 2003), o percentual de realização de pesquisa e desenvolvimento no Brasil é de aproximadamente 75% nas universidades e centros de pesquisa do governo e de 25% na indústria, enquanto nos Estados Unidos a proporção é praticamente oposta: 30% nas universidades e centros de pesquisa do governo e 70% na indústria. Esse pode ser um dos principais fatores da baixa transferência de resultados de pesquisa para a nossa sociedade.

Uma forma importante de geração de riqueza nos países desenvolvidos é a criação de empresas start-up a partir de resultados de pesquisa. Uma start-up nasce a partir de ideia ou resultado de pesquisa gerada em um laboratório universitário que pode então ser transformada em protótipo de tecnologia e, eventualmente, em tecnologia. A diferença básica aqui é que uma tecnologia inclui todo um “empacotamento” envolvendo testes de robustez e estabilidade, escalabilidade, documentação, manutenção e suporte técnicos e evolução continuada. Um protótipo de tecnologia, hardware ou software, no caso de um departamento universitário, limita-se a uma prova de conceito.

É na fase de desenvolvimento do protótipo de tecnologia que a universidade exibe maior desenvoltura e competência. Com a tecnologia validada em laboratório, parte-se para a fase seguinte, o empreendimento de criação de uma empresa start-up. Essa tarefa requer, de início, o aporte de capital externo, que se baseia, essencialmente, em grande crença no potencial criativo dos empreendedores. Também é prática comum a confecção de plano de negócios por parte dos empreendedores. Deve-se ter em mente, entretanto, que o modelo de negócio de uma empresa nascente nem sempre é claro e que, muitas vezes, tal modelo somente aparece dois ou três anos mais tarde.

Existem diversos exemplos de empreendimentos que surgiram a partir da universidade, o que sugere um padrão de criação de empresas intensivas em conhecimento. Nos Estados Unidos, as universidades de ponta incentivam o aparecimento de empresas de alta tecnologia na área de tecnologia da informação. Esse incentivo tem levado à criação de várias empresas de sucesso, tais como Google (criada em 1998 por alunos de doutorado em ciência da computação na Universidade de Stanford, cujo valor atual é de US$201 bilhões) e Facebook (criada em 2004 por alunos de graduação na Universidade de Harvard, que vale US$100 bilhões). O artigo de E. Roberts e C. Eesley, Entrepeneurial Impact: The Role of MIT, MIT Sloan School of Management (fevereiro de 2009), relata que alunos e professores do MIT criaram 25.800 empresas ainda em atividade, empregam 3,3 milhões de pessoas e têm faturamento anual de US$2 trilhões.

No Departamento de Ciência da Computação da UFMG, podemos citar dois exemplos: a Miner Technology Group, fundada em abril de 1998 a partir de dissertação de mestrado e vendida para o grupo Folha de São Paulo/UOL em junho de 1999, e a Akwan Information Technologies, nascida em abril de 2000 e vendida para a Google Inc. em julho de 2005. A partir da Akwan, a Google criou em Belo Horizonte seu centro de pesquisa e desenvolvimento para a América Latina, empregando mais de 130 pessoas.

Em 2011, a UFMG desenvolveu modelo inédito na América Latina que facilita a transferência do conhecimento gerado na Universidade para empresas start-up. A Lei de Inovação de 2004, em seu artigo 5º, prevê que instituições públicas possam participar de empreendimentos inovadores de forma minoritária. A partir desse artigo, a Coordenadoria de Transferência e Inovação Tecnológica (CTIT), órgão filiado à Pró-reitoria de Pesquisa, desenvolveu, com a Procuradoria Federal, contrato que permite a transferência dos direitos de comercialização de produtos e serviços relacionados a um conhecimento (know-how) gerado em um departamento da Universidade para uma empresa start-up.

Nesse caso, a remuneração da UFMG ocorre por meio de usufruto sobre 5% das ações ordinárias nominativas da start-up. Um aspecto importante é que a start-up detém amplos poderes para alienar as ações, não cabendo à Universidade qualquer poder de decisão nesta hipótese. Mais ainda, no caso de aumento de capital, não é estendido o usufruto em relação às novas ações.

Em novembro de 2011, a UFMG assinou o primeiro contrato dentro deste novo modelo com uma das start-ups que irão inaugurar o Parque Tecnológico de Belo Horizonte, o BH-TEC. A assinatura do contrato abre um caminho importante para que a nossa Universidade possa ter uma participação efetiva neste processo. No momento em que a sociedade passa a enxergar a Universidade como geradora de riqueza, além de formadora de recursos humanos, os ganhos potenciais podem ser enormes. Esperamos que essa experiência estimule outras iniciativas que poderão ser desenvolvidas em curto prazo nas diversas áreas em que a UFMG tem competência e reconhecimento internacional. É nosso desejo contribuir para a criação de jurisprudência e de um paradigma que possam ser seguidos por muitos outros grupos de pesquisa.

* Professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da UFMG e membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC)