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Nº 1777 - Ano 38
28.5.2012

Shoá na civilização

Livro organizado por professores do Núcleo de Estudos Judaicos analisa obras de arte sobre o Holocausto

Gabriella Praça

Quase seis décadas após o fim do nazismo, manifestações públicas de ódio e intolerância baseadas na ideologia são frequentes no Brasil e no mundo – uma breve pesquisa do termo “neonazista” na internet já dá ideia da gravidade da situação. Além disso, o extermínio em massa dos judeus ainda é negado por muitos, mesmo em face de todas as evidências históricas. Diante dessa realidade, e considerando que as barbáries cometidas durante a Segunda Guerra podem, um dia, voltar a ocorrer, os professores da Faculdade de Letras da UFMG Lyslei Nascimento e Julio Jeha organizaram o livro Estudos judaicos: Shoá, o mal e o crime, lançado na última quinta-feira, dia 24. A coletânea reúne ensaios sobre obras da literatura, do cinema e do teatro que abordam o Holocausto como tema central.

A utilização do termo hebraico “Shoá”, que significa “catástrofe”, foi uma escolha léxica de cunho político. Segundo Lyslei Nascimento, que também assina um dos ensaios do livro, era necessário criar uma palavra adequada para se referir ao genocídio, já que conceitos e fenômenos inéditos requerem novas designações. “’Holocausto’, o termo mais difundido e academicamente aceito, tem conotação religiosa em sua origem, pois diz respeito às práticas de sacrifício na devoção antiga”, revela a professora, que coordena o Núcleo de Estudos Judaicos da UFMG. “Imbuída de intenção teológica, a palavra transforma o extermínio em um sacrifício – o que é uma violência feita, após o ato, às próprias vítimas, que não se apresentaram voluntariamente a seus carrascos, como ‘cordeiros ao matadouro’”, salienta.

Além disso, a autora identifica uma banalização do termo, adotado como título de série televisiva e utilizado indiscriminadamente pela mídia, prestando-se tanto à designação de assassinatos em série quanto de doenças fatais na África. Para ela, a palavra “Shoá” se apresenta como a mais adequada para se referir ao extermínio, pois “indica que essa calamidade, ao golpear suas vítimas, também atingiu a civilização na qual se fez possível”.

Pelo filtro da arte

O livro lançado na última semana apresenta reflexões de escritores e pesquisadores sobre o tema. “Esse é um olhar privilegiado sobre a Shoá, pois, debruçando-se sobre obras artísticas, o pesquisador traz para seu campo de investigação a história, a filosofia, a religião e a sociologia”, ressalta Lyslei. De acordo com a professora, trata-se de um campo multidisciplinar e transdisciplinar de estudos, pois diversas abordagens e correntes de pensamento são chamadas a iluminar o olhar do pesquisador.

Muitos artistas têm adotado a “Shoá” como tema para suas obras, sejam elas poemas, filmes, peças teatrais, monumentos ou instalações, só para citar alguns gêneros. “Mesmo dentro do campo de concentração, importantes artistas já abordavam a catástrofe”, observa a professora. No Brasil, os célebres poemas Canção da judia de Varsóvia, de Jorge Amado, e Balada dos mortos no campo de concentração, de Vinícius de Moraes, figuram entre os exemplos mais conhecidos. Outros poetas e escritores como Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, Moacyr Scliar, Maria José de Queiroz, Cíntia Moscovich e Hilda Hilst também se dedicaram a produzir sobre o assunto. Recentemente, a autobiografia O filho do Holocausto, de Jorge Mautner, foi filmada por Pedro Bial.

“A Shoá é utilizada como metáfora por artistas brasileiros e estrangeiros para retratar a violência, o mal e o crime – e os museus dedicados ao tema evidenciam isso”, analisa Lyslei. “Além da exposição de peças históricas, traduções artísticas de autores do mundo inteiro revisitam a tragédia em Washington e Israel”, comenta a professora.

Para não esquecer

Para a autora, a negação de crimes contra a humanidade não é privilégio da Shoá, embora tenha nela seu exemplo mais catastrófico. Inúmeras e complexas, as explicações para o fenômeno passam por interesses políticos, econômicos, sociais, religiosos e até étnicos. “A história da violência e dos crimes é tecida, de um lado, tentando obliterar a memória, e, a contrapelo, como queria Walter Benjamin, revelando suas vísceras, ao expor o mal como forma de evitar que ele não se repita”, pondera.

De acordo com Lyslei Nascimento, o risco de uma nova catástrofe, semelhante àquela, marca o futuro da humanidade, afetando tanto os indivíduos que têm consciência do passado quanto aqueles que o ignoram ou tentam negá-lo. “Negar a existência daquilo que, mais do que um assassinato em massa, foi um crime contra a humanidade é tornar-se cúmplice da barbárie e colaborar para que o mais grave e mais horrendo dos delitos volte a se materializar”, conclui.

Livro: Estudos judaicos: Shoá, o mal e o crime
Organizadores: Lyslei Nascimento e Julio Jeha
Editora: Humanitas
Páginas: 339
Preço sugerido: R$ 35