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Nº 1778 - Ano 38
4.6.2012

Restaurando o curso natural

Descanalização de rios urbanos é uma tendência da hidrologia moderna; pesquisa na UFMG focaliza córrego Engenho Nogueira

Gabriella Praça

Aprisionada durante décadas em canalizações no subsolo das cidades, a água vem ganhando crescente importância nas decisões relativas ao planejamento urbano. Além de adotar uma visão integrada da bacia hidrográfica na realização de intervenções locais – o chamado tratamento de vale – a tendência mundial é, na medida do possível, descanalizar cursos de água, para que recuperem um estado próximo ao natural.

Embora na maioria das vezes não seja possível voltar à situação original, a ideia é oferecer melhores condições para a ocorrência dos processos hidrológicos, geomorfológicos e ecológicos em cursos de água degradados. “Trata-se da restauração, palavra-chave nesses processos”, afirma o professor Márcio Baptista, do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Escola de Engenharia.

Segundo ele, a Austrália é precursora na abordagem, adotada por alguns países, do desenvolvimento urbano sensível à água (Water Sensitive Urban Design), ou seja, que tem a água como condicionante fundamental. “No Brasil, ainda de maneira tímida estamos caminhando também nessa direção, ao adotar uma lógica de planejamento integrado, com base na visão de bacias hidrográficas”, comenta.

Esse processo leva em consideração o limite natural da bacia no planejamento de uma área específica. Assim, qualquer intervenção local, a exemplo de uma canalização para evitar inundações, deve levar em conta a evolução das práticas urbanas da bacia e o reflexo global daquele procedimento. “Desse modo, canalização deixa de ser problema apenas de engenharia, e envolve também análises de biologia, geografia, geologia, sociologia. Isto é, não se pode mais adotar uma visão tecnicista da questão”, ressalta o pesquisador, que se prepara para lançar livro com o professor Valter Pádua, do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental, e colaboradores de seis países sobre restauração de sistemas fluviais.

Essa nova visão sugere a inserção do curso de água no tecido urbano, de modo a valorizar aspectos paisagísticos e a melhoria da qualidade da água. Ele destaca que alguns países vivem processo de reabertura de rios urbanos, que estão sendo descanalizados. “Não estamos propondo que isso seja feito de modo sistemático em Belo Horizonte, mas é um caminho que nos leva a cuidar do saneamento em vez de tampar rios e córregos poluídos”, diz Márcio Baptista, ao citar como exemplo a recuperação em Londres do rio Tâmisa, que há alguns anos era extremamente poluído e, como fruto de esforço coletivo, voltou a ter presença de salmões, espécie que vive apenas em águas muito limpas.

Engenho Nogueira

Pró-reitor de Administração da UFMG, Baptista destaca que a nova tendência no tratamento de águas urbanas exige integração das diferentes instâncias gestoras. Tese de doutorado em andamento, orientada por ele, focaliza a questão geral de tratamento de vales e toma para estudo de caso o Engenho Nogueira, curso d’água que cruza o campus Pampulha, em grande parte canalizado. A pesquisa tem como base análise multicriterial, que avalia aspectos físicos, hidráulicos, hidrológicos, ambientais, sociais e paisagísticos na escolha de alternativas de intervenção.

O Engenho Nogueira é parte dos cerca de 300 quilômetros de cursos d´água de pequeno e médio portes existentes no município de Belo Horizonte. Segundo Baptista, aproximadamente dois terços desse total estão canalizados. “Existe um programa de recuperação ambiental da prefeitura, o Drenurbs, que tenta exatamente manter não canalizados os outros cem quilômetros”, informa.

No Museu de História Natural e Jardim Botânico, a Universidade está realizando experiência pioneira em pequeno curso de água que teve aumento de vazão devido à implantação de equipamento do estado nas proximidades. A alteração exige readequação do sistema de drenagem no local. “Em vez de construir canalização, nossa proposta é tornar esse escoamento superficial novamente, já que não há no Museu um condicionante forte que impeça esse trajeto”, diz Márcio Baptista. Ele compara: “Uma coisa é descanalizar um rio que passa sob a avenida Prudente de Morais, por exemplo, onde já existe uma cidade construída. No Museu, temos área verde, e a água pode ser usada como elemento paisagístico”, defende.