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Nº 1783 - Ano 38
9.7.2012

Acolher e Dialogar

Diamantina recebe a 44ª edição do Festival de Inverno; evento privilegiará relações e troca de saberes

Gabriella Praça

Incrustada a 1.280 metros na região do Alto Rio Jequitinhonha e emoldurada pela Serra dos Cristais, a cidade de Diamantina é patrimônio cultural da humanidade. As cachoeiras, represas, igrejas, mirantes, rochas e paralelepípedos locais testemunham a história do Brasil e da formação de seu povo. Por lá passaram tribos indígenas, escravos africanos, garimpeiros, bandeirantes e outros personagens que povoam o imaginário nacional.

Esse será o palco do 44º Festival de Inverno da UFMG, que acontece entre os dias 15 e 26 de julho. O evento propõe o diálogo entre os saberes tradicionais e acadêmicos, acolhendo outros atores e formas de conhecimento provenientes das culturas indígenas, afro-brasileira e popular, a fim de visitar o passado e projetar ações para o futuro da região. A ideia é resgatar a memória desse lugar sui generis, para que as tradições seculares que o marcaram possam servir de ensinamento às atuais e às próximas gerações.

“Como o Festival de Inverno é uma atividade de extensão, encaramos o desafio de organizar um evento afinado com a vida na cidade e com as formas de experiência que ela abriga”, resume o coordenador-geral, César Guimarães. A partir de conversas com integrantes do Poder Público, diretores de entidades culturais, artistas, músicos e professores universitários, a equipe elaborou novo conceito para o evento. “Percebemos que o Festival deveria ser feito a partir das questões que atravessam a realidade de Diamantina, em diálogo com os problemas tratados pela Universidade no campo da arte e da cultura”, ressalta César, que é professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG.

Para materializar a nova proposta, resumida no tema O bem comum, foi criado o modelo de “casas”, em substituição à estrutura de “oficinas”, que reproduzia o ambiente da sala de aula. Com uma denominação que alude às malocas indígenas, as casas foram pensadas como espaços de acolhimento, encontro e de troca de conhecimentos entre especialistas acadêmicos e mestres das culturas populares. São seis ao todo: Casa da Palavra, Casa dos Cantos e da Escuta, Casa das Imagens, Casa da Cidade, Casa do Corpo e Casa da Memória Chica da Silva.

Ênfase nas relações

Foca Lisboa
César Guimarães: evento afinado com a vida da cidade
César Guimarães: evento afinado com a vida da cidade

A metáfora do acolhimento, segundo a organização do evento, perpassa toda a programação e os métodos de trabalho a serem empregados, pois enfatiza encontros e relações, e não produtos. Em uma iniciativa de descentralização do espaço urbano, algumas das casas foram planejadas para ocupar o centro histórico da cidade, enquanto outras terão como palco locais periféricos, como o bairro da Palha. Com tal desenho, a ideia é que as próprias casas ou o encontro entre elas produzam e promovam atrações que envolverão participantes do Festival e habitantes da cidade em espetáculos que atuem em escala local.

As performances cênicas e musicais serão, em sua maior parte, eventos de médio e pequeno portes, possibilitando maior interação dos artistas com o público. Para tanto, foi preciso que se concebessem novas formas de fazer eventos, menos preestabelecidas que o tradicional palco metálico. “Preparamos pequenas instalações itinerantes para serem montadas e desmontadas em diversos espaços, em um tipo de produção menos espetaculoso e mais integrado à cidade”, observa o cenógrafo do Festival, Augustin de Tugny, professor da Escola de Belas-Artes da UFMG.

Voltada para o patrimônio imaterial afro-brasileiro, a Casa da Memória Chica da Silva reunirá mestres que dominam vestígios das línguas africanas trazidas para o Brasil. Esses mestres se encontrarão com aprendizes de irmandades negras durante uma semana, para entoar vissungos – canções que eram interpretadas pelos negros na época da escravidão – e trocar experiências de canto nos idiomas remanescentes (leia mais na página 6).

A música também estará presente na Casa dos Cantos e da Escuta, que homenageará os povos indígenas. “Pretendemos criar abertura para outro universo de escuta a partir do conhecimento dos xamãs, que ouvem seus próprios cantos nas aldeias, e, segundo os índios, também são capazes de ouvir falas de animais e conversar com eles”, diz a coordenadora da Casa e professora da Escola de Música da UFMG, Rosângela Pereira de Tugny. Foram convidados grupos de várias etnias, entre os quais dois mestres de flautas Baniwa (originários do Noroeste do Brasil), dois de canto Krahô (que vêm do Tocantins) e um coral de crianças guarani (região Sul do país).

Já a Casa do Corpo, coordenada pela diretora de Cultura da Universidade do Vale do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), Nadja Murta, pretende explorar e compartilhar práticas corporais presentes na cultura brasileira. Haverá atividades lúdicas, voltadas para o público infantil, e grupos de trabalho (GTs) de danças étnicas, populares, patrimoniais e acadêmicas. Também será discutida a questão quilombola no GT Identidade em Movimento. Segundo levantamento feito em 2008 pela ONG Cedefes, Minas Gerais abriga 435 comunidades remanescentes de quilombos, 124 delas na região dos vales do Jequitinhonha e do Mucuri.

Modos de intervir

Em intenso diálogo com a população de Diamantina, a Casa da Cidade pretende refletir sobre possíveis intervenções no lugar, sob as perspectivas da Arquitetura, do Urbanismo e do Design. Uma das ações será a conscientização para despoluição do rio Grande, afluente do Jequitinhonha cuja nascente se localiza dentro do próprio município. (leia mais sobre a Casa da Cidade)

Instalada no Mercado Velho de Diamantina – na praça central da cidade –, a Casa das Imagens promoverá atividades de produção audiovisual a partir das experiências vividas no Festival de Inverno. O grupo Maloca Estúdio Aberto reunirá artistas e coletivos culturais para um trabalho de formação e iniciação na produção de pequenos documentários, videoperformances, videoclipes e vinhetas. “A proposta é problematizar as formas de registro, representação e tradução das atividades desenvolvidas durante o evento, de modo que a própria imagem se torne, também, um meio de intervenção”, sintetiza o coordenador da Casa e professor do Departamento de Comunicação Social da UFMG, André Brasil. Outro grupo, o Cine Maloca Móvel, organizará exibições cinematográficas em espaços públicos ou domésticos de Diamantina, selecionando atrações, percorrendo a cidade em busca de locais de exibição, mobilizando moradores e preparando as projeções. Outro destaque da Casa será o “cine-vigília”, mostra de filmes promovida entre meia-noite e 6h, no porão do Mercado Velho.

De caráter transversal, a Casa da Palavra dialogará com todas as outras. “A ideia surgiu da necessidade de fazer da comunicação parte integrante e articuladora dos encontros promovidos pelo Festival, e não apenas uma estratégia transmissiva”, esclarece uma das coordenadoras da Casa, Ângela Marques. Segundo ela, que também é professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG, a proposta é que essa Casa estabeleça interfaces com as demais, desempenhando o papel de mediadora. Entre as atividades, haverá a montagem de um estúdio de rádio, a produção de revista eletrônica, a experimentação de intervenções urbanas e de produção audiovisual vinculada à mobilização juvenil.

Como atrações culturais, a programação do Festival de Inverno prevê exibições cinematográficas, exposição de “arte negra” e apresentações musicais como as de Naná Vasconcelos, André Abujamra, grupos de choro, MCs, Clube do Samba de Diamantina, Graveola e o Lixo Polifônico, entre outros. A programação completa está disponível no site www.ufmg.br/festival.

Leia também: O canto dos mestres