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Nº 1844 - Ano 40
11.11.2013

O fim está próximo

Críticas e ensaios reunidos em obra da Editora UFMG sugerem resgate do conceito de interesse público como instrumento para o controle da corrupção

Ewerton Martins Ribeiro

Fenômeno que desperta mais paixões que qualquer outro na política brasileira contemporânea, a corrupção é tema recorrente das discussões sobre os ambientes político, empresarial e social do Brasil. O próximo ano, no entanto, será atípico para o debate sobre o tema: em 2014 acontecem novas eleições para deputados, senadores, governadores e presidente – pouco depois de o Brasil sediar a Copa do Mundo, evento que desde seu anúncio vem gerando controvérsias sobre as relações entre o público e o privado.

É nesse contexto que a leitura de Corrupção: ensaios e críticas (obra da Editora UFMG de mais de 500 páginas que reúne 63 textos sobre o tema) se faz particularmente interessante. Organizado pelos professores Leonardo Avritzer, Newton Bignotto, Juarez Guimarães e Heloisa Starling, o livro, já em segunda edição, reúne textos de 61 especialistas, entre professores, pesquisadores e representantes de entidades que combatem a prática.

Em suas críticas e ensaios, os autores prescindem de estudar diretamente os casos recentes de corrupção – por já serem recorrentemente explorados pelos meios de comunicação e pelos estudiosos da vida pública – para focar em análises que retomam as raízes históricas e culturais do fenômeno. Trata-se de um tipo de abordagem profícuo para colaborar com a criação de mecanismos de controle mais eficazes, defendem os organizadores. Isso porque a corrupção é um problema de extrema complexidade: ela existe tanto em países democráticos quanto em países não democráticos; e tanto em nações com ampla liberdade de imprensa quanto naquelas com quase nenhuma liberdade de opinião.

Três em uma

A obra está dividida em três partes. Em Teoria política e corrupção, autores perpassam a abordagem que os principais teóricos clássicos – Platão, Maquiavel, Espinosa, Rousseau, entre outros – fizeram do tema. Os ensaios também investigam as tradições políticas de liberalismo, republicanismo, socialismo, totalitarismo e da democracia, e mergulham em problemas conceituais como a transparência, o interesse público e o privatismo.

Já em Corrupção, história e cultura, os pesquisadores abordam o tema em diferentes contextos: do Brasil colônia à contemporaneidade, passando pela ditadura militar, o Brasil império, o Brasil republicano; e abordam as manifestações da corrupção na literatura, no teatro, no cinema, na música brasileira – e em ambientes culturais mais peculiares, como o carnaval.

A terceira seção, denominada Questões atuais da corrupção, foca em temas mais específicos, como marcos teóricos, financiamento de campanhas eleitorais, corrupção policial, crime organizado, ONGs, reforma agrária, contrabando, funcionalismo público, mídia, judiciário, ministério público, tribunais de contas, formas de percepção e controle, entre outros.

Paradoxo

No Índice de Percepção da Corrupção (IPC) de 2012, que lista 176 países, o Brasil aparece no 69º lugar. Os pesquisadores alertam para as limitações de levantamentos como esse. “Não podemos nos esquecer que esses índices aferem a percepção, mas não servem para esclarecer os mecanismos internos aos processos aludidos”, afirma o professor Leonardo Avritzer, do Departamento de Ciência Política. Os organizadores lembram que hoje as notícias sobre corrupção povoam as páginas dos jornais, mas isso não gera necessariamente melhor compreensão dos seus efeitos e raízes. "Não há dúvida de que, sob o ponto de vista institucional, o país passou por avanços significativos em relação ao controle da corrupção. Do ponto de vista da percepção, no entanto, o Brasil enfrenta um dilema: quanto mais a corrupção é combatida, mais é noticiada, e quanto mais noticiada, maior é a sua percepção."

O livro busca apresentar os fundamentos culturais e históricos que determinaram o histórico de corrupção do Brasil e de certa forma da América Latina: uma trajetória que passa pela acentuação do fenômeno no período ditatorial e pela dificuldade de reversão institucional desse quadro na abertura política. A especificidade do contexto brasileiro, defendem os organizadores, é que por aqui este é um ciclo que muito provavelmente está chegando ao seu final. E na obra delineia-se com muita clareza o elemento ou o conceito-chave para a superação da corrupção: o resgate do conceito de interesse público.