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Nº 1845 - Ano 40
18.11.2013

Artesania corporal

Livro de Bya Braga, da Belas-Artes, revela teoria e prática de Étienne Decroux, que propôs atuação teatral que se mistura com a existência

Itamar Rigueira Jr.

A dramaturgia é feita pelo ator e por seu corpo. É ele quem domina sua produção, e não o autor, o diretor ou o produtor do espetáculo. A proposta do francês Étienne Marcel Decroux (1898-1991), mestre sem vinculação com grupos ou universidades, mas que fundou e dirigiu uma escola para atores por cerca de 40 anos, é o tema de Étienne Decroux e a artesania de ator: caminhadas para a soberania (Editora UFMG), da professora Bya Braga, da Escola de Belas-Artes (EBA).

Criador da Mímica Corporal Dramática, Decroux é muito pouco conhecido no Brasil, onde nem mesmo há uma tradução de seu único livro, Paroles sur le mime, de 1964. A motivação de Bya Braga, que leciona interpretação e improvisação no curso de Teatro da UFMG, foi justamente colaborar para maior aproximação da técnica de atuação criada por Decroux.

“Há grande equívoco na compreensão de seu trabalho, considerado formalista. Decroux propôs que a forma pudesse ser, inclusive, desmaterializada, instrumentalizando o ator para um teatro que não é apenas mediado pela literatura dramática, mas aberto ao ato performativo”, explica a autora.

A metodologia de Decroux – “um grande ator e um grande pedagogo”, segundo Bya Braga – leva o intérprete a experiência intensa com ele mesmo, por meio da artesania corporal que propicia o aprendizado de habilidades, movimentos e posturas específicas. “Ao aprender as formas, o ator passa a lidar com os próprios limites físicos, mudando padrões cotidianos e revisando sua própria existência”, diz a professora.

Princípios em aula

Na disciplina Laboratório de atuação: modos de existência, Bya Braga utiliza os princípios da Mímica Corporal Dramática e conta com a colaboração de artistas convidados para ensinar a técnica criada pelo francês. Sua pesquisa, que resultou originalmente em tese de doutorado, incluiu estágios e estudos práticos em Barcelona. “Sempre dei grande atenção à questão da expressividade do ator, e foi isso basicamente que despertou meu interesse pelo trabalho do Decroux”, ela comenta.

Bya conta que Étienne Decroux não completou os estudos formais e exerceu diversos ofícios braçais. Filho de um pedreiro socialista, queria ser orador político, mas, em contato com o teatro, encantou-se pelo trabalho corporal. Em consonância com o desejo de reforma do teatro em voga na França e na Rússia do início do século 20, acabou ganhando espaço na escola experimental Atelier, de Charles Dullin. Incentivado a se tornar diretor, ele considerava que sua vocação era de um ator-pesquisador e ganhou uma sala onde recebia estudantes especialmente encaminhados para suas investigações. Jean-Louis Barrault (de Les enfants du paradis) foi um de seus pupilos.

“Decroux trabalhou por 60 anos ininterruptamente e não se fixou em uma única abordagem. Ele se renovava, e se dispunha a desenvolver algo novo para aproveitar o que um ator trazia de diferente”, afirma Bya Braga. “Decroux foi um artista fundador no Ocidente no que se refere ao pensamento em teatro, porque defendia um teatro corporal, diferente da atuação ortodoxa”, diz a professora, que entrevistou discípulos de Étienne Decroux no processo de pesquisa para a tese, defendida em 2010, na UniRio. Ela explica ainda que a técnica do francês faz do tronco do ator o protagonista na expressividade, diferentemente do teatro ortodoxo e da pantomima, que tendem a valorizar rosto, braços, mãos e utilizar o corpo posicionado perpendicularmente ao chão, em equilíbrios estáveis.

Para Bya, Decroux criou, como resultado de muito esforço e curiosidade, uma teoria baseada na prática artística. “Ele valorizou ofícios como os da lavadeira, do carpinteiro e do pescador, ao transpor suas gestualidades para uma composição mais abstrata nas artes cênicas. A seu modo, problematizou a representação realista, naturalista, apresentando outras formas de se ver o mundo por meio da arte. E sempre preocupado com a emancipação do sujeito artista.”

Livro: Étienne Decroux e a artesania de ator: caminhadas para a soberania
Autora: Bya Braga
Editora: UFMG
516 páginas / R$ 76 (preço sugerido)