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Nº 1846 - Ano 40
25.11.2013

opiniao

A UFMG e o grave problema das intolerâncias

Carlos Alberto de Carvalho*

Os últimos tempos têm sido, lamentavelmente, profícuos em episódios que trazem à tona na UFMG ranços de intolerâncias diversas, que se materializam em denúncias de sexismo, machismo, homofobia e racismo. Embora as intolerâncias sejam antigas, os últimos acontecimentos tiveram o mérito de indicar um fenômeno que nos cerca e que, por razões diversas, não vinham à tona com a força que agora emergem, fruto de tempos contraditórios, em que se as intolerâncias e preconceitos não são mais toleráveis, não necessariamente têm sido combatidos com o seu oposto, mas com manifestações um pouco à maneira do dito “olho por olho, dente por dente”.

Acusações de machismo, sexismo, misoginia, homofobia e outras contra docentes somam-se aos urros medievais e correntes humanas idem de discentes que, a pretexto de ritos de iniciação das famigeradas calouradas, berram insultos também sexistas, misóginos, machistas e homofóbicos, com pitadas de racismo, pelo campus Pampulha e demais campi e unidades acadêmicas. A isso é ainda possível acrescentar, em situações de salas de aula, docentes e discentes constrangidos/as por posições religiosas que não entendem que a função da Universidade é fomentar o conhecimento que ultrapasse os mitos e obscurantismos em quaisquer áreas de saber. Conviver com as diferenças, na especificidade da Universidade, é permitir o esclarecimento, sem o qual a barbárie de modos de pensar pode chegar aos embates físicos.

Com tantos campos de saber e suas diversidades metodológicas e teóricas, inclusive internas a cada área, não se pode, nem seria salutar, exigir uma única abordagem a todos os problemas sociais que não são mais, de há muito tempo, apenas objeto de preocupações em salas de aula e grupos de pesquisa. O necessário crescimento das universidades federais nos últimos anos trouxe para o interior dessas instituições um conjunto de pessoas que tem na heterogeneidade uma marca que nos coloca novos desafios. Não se trata mais somente de pensar em termos de “minorias” que antes estavam ausentes das nossas rotinas, mas de individualidades cujo reconhecimento de especificidades é parte também de um aprendizado de tolerância no convívio diário.

Como enfrentar esses problemas é um desafio urgente a ser incorporado não somente às rotinas administrativas da Universidade, mas, e talvez especialmente, aos nossos problemas de ensino, pesquisa e extensão, nos mais variados níveis de formação que a UFMG desenvolve e nas suas múltiplas áreas de saber. Caso contrário, seremos facilmente tragados pelos ritos sumários das expulsões, dos afastamentos temporários e de outras ações que somente fazem piorar o cenário, com o risco de instaurar um clima de histeria coletiva e obscuridade tão bem retratado no filme As bruxas de Salém (1996, dirigido por Nicholas Hytner).

Uma boa maneira de começarmos a enfrentar o desafio parece estar nas reflexões do filósofo Paul Ricoeur, retiradas do texto Tolerância, intolerância, intolerável, publicado no livro Leituras 1 – em torno ao político, Edições Loyola, no qual ele conclui que intolerável é o intolerante. Trata-se, para o filósofo, de um problema centrado na admissão das diferenças, o que deve perpassar a discussão sobre o que são a tolerância e a intolerância, termos aos quais ele acrescenta a ideia do tolerável e do intolerável. Sem algo ou alguém visado pela tolerância, ou seu oposto, não teríamos, na verdade, o que debater. Se a intolerância e o seu oposto – não mais entendido como mero tolerar, mas como a admissão plena das diferenças como constituintes da sociedade e das alteridades – são colocados como problemas, o são a partir de modos de exclusão culturalmente instituídos, portanto, superáveis, ou na proposição de Ricoeur, do não admitir uma maneira de pensar ou de agir diferente da nossa ou daquela sancionada socialmente.

A UFMG não pode continuar a tolerar os intolerantes, mas deve ter a sabedoria de fazê-lo a partir do que lhe é peculiar como missão: pela admissão plena das diferenças implicadas na multiplicidade de modos de pensar e de agir que admite, em primeiro lugar, o direito às divergências mediado pela não exclusão, esta somente admissível quando da impossibilidade real de convívio com bárbaros. Estamos diante do desafio de levar às boas consequências nossas competências de centro de educação, espírito talvez um pouco negligenciado nestes tempos que tanto exigem em termos de produtividade que, não raro, se reduz à perspectiva do mero produtivismo, sem muitos espaços para o pensamento catalisador de mudanças.

A perspectiva de que intolerável é o intolerante nos força a um raciocínio que deve livrar-se dos maniqueísmos, que esteja atento aos matizes das situações e pessoas com as quais convivemos. Somos pessoas sob o risco permanente das contradições, e isso nos convida ao reconhecimento do múltiplo que compõe nossos ambientes de ação, também eles contraditórios.

*Professor do Departamento de Comunicação Social da Fafich