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Nº 1847 - Ano 40
02.12.2013

opiniao

A consciência negra nos dias de hoje

Alexandre Braga*

Em 2001, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizou sua mais importante inserção no campo da preservação dos direitos humanos com a aprovação dos textos da 3ª Conferência mundial contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância conexa, em Durban, África do Sul, em que participaram 2.300 representantes de 163 países, 16 chefes de Estados, 100 ministros e quatro mil organizações não governamentais. Como resultado dessa atividade e das intensas negociações para aprovar os temas controversos e polêmicos, foram deliberados um plano de ação e um programa para a execução de políticas públicas em pelo menos 140 países.

São beneficiários desses dois instrumentos os grupos étnicos que passaram por diversas tragédias históricas, como escravidão, genocídio, feminicídio, guerras civis, massacres e outras formas de extermínio em massa. Portanto, para além da questão de “raça”, o conjunto de políticas que visam à promoção humana é motivado por inequívoco paradigma étnico, que explodiu justamente devido à falta de mecanismos governamentais que zelassem pelo fortalecimento da malha democrática, da liberdade e pela presença positiva desses agrupamentos minoritários nos meios de comunicação no grupo de 140 países e nos demais mundo afora.

Assim, ficou patente que raça não existe, mas existe racismo. Com base nessa constatação, os governos – por meio de seu aparato intergovernamental – e a sociedade civil foram provocados, por um lado, a assumirem uma atitude mais intervencionista para eliminar a tragédia histórica do racismo e, por outro, a executarem ações que promovessem a inclusão desses agrupamentos humanos nas políticas públicas dos governos, com agenda própria, foco específico e orçamento direcionado.

Nesse contexto, o Brasil passou imediatamente a colocar em sua visão política e em seu desenho institucional instrumentos mirados nas populações negra e indígena. Dez anos após a conferência da ONU que pautou a problemática racial, o país possui um significativo cabedal para lidar com a questão étnica, que por situações diversas e em épocas díspares, deixou as elites perplexas, sanduichou-se de sangue e mostrou a força da desobediência civil tupiniquim, coroando uma presença maciça e constante de um povo sensual, fogoso e politizado. Só como exemplo, somando-se às propostas aprovadas em conferências temáticas dos governos Lula e do atual governo, alcançaremos mais de três mil propostas, frutos das conferências de juventude, mulheres, cultura, saúde, bem como outros temas de caráter nacional, estadual e municipal. O povo brasileiro, seja no âmbito das lutas sociais, seja na trava institucional, sempre colaborou para melhorar os rumos do país quando chamado.

É nesse contexto de mobilizações populares que sacodem o Brasil e da agenda efervescente da questão racial que comemoramos nosso pertencimento étnico negro e lançamos um olhar positivo sobre a memória de Francisco Zumbi do Quilombo dos Palmares, nossa principal experiência “socialista” e uma das sagas mais vitoriosas das lutas do povo brasileiro para construir uma nação soberana, forte e desenvolvida. É esse o significado de consciência negra. E é para fazer dessa conscientização um projeto de país que as recentes políticas públicas em prol da população negra precisam ser contínuas e influenciar também os parlamentos, loco mais contundente do apartheid que separa negros e brancos na representação parlamentar.

Enquanto a autodeclaração étnica afro pode chegar a 52% de negros no Brasil, no Congresso Nacional e nas assembleias legislativas a presença de parlamentares negros e negras não ultrapassa 9%. Oficialmente, além de racista, o Brasil tem um regime perverso de separação racial. Por isso, a consciência negra está na agenda da sociedade e nas políticas públicas para exigir uma reforma política com financiamento público de campanhas eleitorais, democratização e revezamento das direções partidárias, cotas para candidaturas negras nos certames, inserção da estética afro nos meios de comunicação e pela valorização dos direitos humanos, melhorias em todas as etapas da educação, laicidade do Estado e, claro, eliminação gradual das desigualdades sociais. Isso com o apoio fundamental de toda a comunidade acadêmica da UFMG, principalmente agora que a mudança do perfil dos alunos vai impor novos desafios para o ensino superior no contexto das ações afirmativas.

Concretamente, passados 124 anos da abolição formal da escravatura, será a primeira vez que vamos encarar a consciência negra como fator de nossa formação civilizatória, levando a questão étnica cada vez mais para os debates políticos, sociológicos e universitários de forma a construir um país abençoado pelos deuses, lindo por natureza, negro e humanista.

*Estudante de Ciências do Estado na UFMG e diretor nacional de comunicação da União de Negros Pela Igualdade (Unegro)