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Nº 1866 - Ano 40
02.06.2014

Campus, território do bem comum

Em seu retorno a Belo Horizonte, Festival de Inverno abre as portas da UFMG para manifestações de culturas não hegemônicas

Da Redação

De 18 a 26 de julho, a UFMG será ocupada por lideranças indígenas, participantes das ocupações urbanas, reinadeiros, quilombolas, povos de terreiro, agricultores urbanos, cicloativistas, midiativistas, artistas, estudantes e pesquisadores. O evento, que volta a Belo Horizonte depois de 23 anos, encerra a última edição da trilogia do Bem comum – Diamantina sediou as duas anteriores – em um formato que vai transformar o campus Pampulha em um território livre, povoado por múltiplas vozes e cantos e diversos modos de viver e de conhecer. Todas as atividades são gratuitas, e as inscrições serão feitas pela internet.

A 46ª edição vai fazer do campus Pampulha um ambiente tomado por ocupações livres e horizontais, em especial as provenientes das culturas indígenas, afrodescendentes e urbanas tradicionalmente excluídas. “São ocupações que inventam outros modos de vida em comum, e que podem nos inspirar a criar novas formas de habitar o território”, explica o professor César Guimarães, do Departamento de Comunicação Social, e coordenador-geral do Festival.

Para Guimarães, a hospitalidade dedicada aos grupos e sujeitos submetidos à exclusão, bem como aos seus saberes e práticas sociais, é uma forma de reinventar a reciprocidade que guia a relação da Universidade com a comunidade. “É uma temática que visa implicar ainda mais a Universidade nos dilemas que atravessam os nossos modos de vida em comum, que estão fraturados por persistentes processos de exclusão e de produção de desigualdade”, diz ele.

De acordo com o professor Fernando Mencarelli, diretor adjunto de Ação Cultural, a volta do evento à capital mineira ocorre em um momento em que a cidade demanda ações da Universidade e que a própria instituição “deixa claro que também é parte da cidade”.

A professora Leda Maria Martins, titular da Diretoria de Ação Cultural (DAC), órgão que realiza o evento, lança mão de uma metáfora para traduzir o retorno do Festival ao campus Pampulha. “Comparo esse movimento ao navio que sai em viagens pelo mundo e, em um dado momento, retorna para casa a fim de reabastecer e se realimentar. No caso do Festival, ele também volta para partilhar suas jornadas e experiências”, afirma.

A diretora de Ação Cultural lembra, ainda, que a proposta conceitual do Festival de Inverno é coerente com outras ações coordenadas pela DAC, como a Feira de Jequitinhonha, o Festival de Verão e o Quarta Doze e Trinta. “Em todas elas, temos nos empenhado para dar visibilidade a sujeitos e a saberes nem sempre contemplados no âmbito da Universidade. Se prestarmos atenção às programações do Centro Cultural e do Conservatório, perceberemos que elas visam ao bem comum”, argumenta Leda Martins.

A vice-reitora Sandra Goulart Almeida reforça a importância de receber na sede principal da UFMG grupos geralmente não integrados ao fazer acadêmico. “O processo do conhecimento e da aprendizagem é de mão dupla. A Universidade se nutre da interlocução com outras formas de saber. Além disso, a interação com a comunidade em torno de temas como alimentação, mobilidade e tratamento do lixo é uma excelente oportunidade de reafirmar o campus como um espaço público.”

Cinco eixos

Durante o Festival, o campus receberá uma série de Intervenções, em que serão instaladas redes, espreguiçadeiras, bancos de praça, espaços para jogos, fornos, fogões, cabanas de bambu. Por sua vez, Grandes encontros, transdisciplinares e abertos, vão reunir os participantes para conversas em torno do tema Bem comum. Entre os assuntos abordados estarão as ocupações, a retomada das terras indígenas, a mobilidade urbana, a biodiversidade, as mídias públicas e livres, as culturas urbanas e as relações entre o campus e a cidade.

Serão cinco grupos de trabalho: Injó dya zuela (Casa do canto); Grande assembleia (Aty guasu) dos povos indígenas no Brasil; Parque das imagens; Ocupa mídias; e Campus, território do bem comum. Este último terá a mobilidade como uma de suas temáticas centrais. O Festival contará com ônibus circulando gratuitamente dentro do campus e em conexão com locais estratégicos da cidade, como as ocupações urbanas e a região central. Outra ação é a implantação de um sistema experimental de bicicletas compartilhadas e de ciclovias no campus, o que exigirá a redução de carros no campus durante todo o evento. Os participantes farão convocatórias públicas de doações, buscarão bicicletas descartadas para reforma, desenharão projetos e construirão bicicletários, entre outras ações.

A Grande assembleia (Aty guasu) dos povos indígenas no Brasil, por sua vez, focalizará a retomada de terras e a afirmação dos direitos indígenas. A assembleia reunirá lideranças indígenas Guarani e Kaiowá, Terena, Caipó, Munduruku, Tupinambá, Pataxó, Guajajara, Maxakali, Mbya e Kaikang, provenientes de diferentes regiões do país. Já o núcleo Injó dya zuela (Casa do canto) sediará manifestações vinculadas aos saberes e às práticas de culturas afrodescendentes: cantos, rezas, rituais, danças, técnicas medicinais, entre outros.

O núcleo Parque das imagens promoverá mostras de filmes com projeções em diferentes espaços do campus, além de reunir grupos de trabalho dedicados à produção em fotografia, vídeo e cinema. Serão oficinas e ensaios, fotográficos e cinematográficos, relacionados com a temática das ocupações. Já no núcleo Ocupa mídias, veículos institucionais como o BOLETIM, a TV UFMG e a Rádio UFMG Educativa serão ocupados por grupos e artistas envolvidos em movimentos midiativistas de criação colaborativa e experimental.

Arte do lixo

Um campo a ser amplamente desenvolvido no Festival é o da agricultura. Horta e pomar comunitários serão plantados no campus, com foco em cultivos tradicionais, por meio dos quais serão disseminados conhecimentos de chuvas, técnicas de carpir e regar e cuidados de manutenção. A ideia é promover a discussão sobre a criação de pomares e hortas em espaços públicos e privados, além de estimular a troca de sementes de espécies vegetais entre os participantes.

Já os modos de se lidar com o lixo das cidades entrarão na pauta do projeto O lixo não existe. Apoiados por um coletivo especializado em projetos de arte e design para transformação social, os participantes vão organizar atividades de logística reversa, transformando o lixo do evento em arte. Ações de reciclagem e compostagem também serão desenvolvidas, inclusive de pesquisa, no sentido de se investigarem as formas como a UFMG descarta seus resíduos.

Também haverá atividades com foco nas Comidarias. Receitas tradicionais da culinária indígena e quilombola serão levadas a piqueniques, banquetes públicos e bandejões do campus. Ainda está programada uma feira de alimentos orgânicos.

Quando a noite cair, a UFMG será tomada por uma programação artística especial, com shows, concertos, performances e espetáculos teatrais em diferentes locais do campus – sempre em consonância com as principais preocupações do Festival. Já estão confirmados, dentre outros, nomes e atrações como Siba, Família de Rua, Paulo Freire, Encontro de saraus, MC Dodô, Roda de Jongo e Samba de BH.