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Nº 1888 - Ano 41
08.12.2014

Voz ativa nas aldeias

Formação de educadores indígenas abre inscrições para nova entrada; fortalecimento e autonomia das comunidades estão entre os resultados sociais do curso oferecido pela UFMG

Ana Rita Araújo

Licenciatura de expressiva concorrência na UFMG, com quase sete candidatos por vaga, a Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei) inscreve nesta semana para entrada em 2015. Destinado à preparação de professores para atuar nas escolas das aldeias, o curso tem atualmente 140 estudantes oriundos de 31 aldeias de seis estados brasileiros – Minas Gerais, Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Pernambuco e Rio Grande do Sul – pertencentes às etnias Xakriabá, Pataxó, Pataxó Hã Hã Hãe, Guarani, Maxakali e Pankararu.

Para se inscrever no concurso, além de se declarar indígena, o candidato deve ser reconhecido como membro legítimo da comunidade/etnia com a qual mantém vínculos identitários, certificado por documentação expedida pelas lideranças ou associações do povo ou comunidade indígena da qual faz parte. A primeira turma concluiu sua formação em agosto de 2013. “O curso tem alcançado resultados sociais muito evidentes e imediatos”, assegura a professora do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino da Faculdade de Educação (FaE) Vanessa Tomaz, que integra a coordenação do processo seletivo.

Segundo Vanessa, a presença de professores indígenas nas aldeias resulta em fortalecimento das próprias escolas, maior autonomia e direito a voz para essas comunidades, possibilitando, inclusive, papel ativo de um conselho de lideranças indígenas que participam ativamente de todas as decisões relativas à Licenciatura. “Elas não só emitem opiniões como colaboram o tempo todo na construção do curso. Isso é fundamental, pois é direito do indígena ter seus próprios processos de gestão”, explica a coordenadora do processo seletivo, professora Maria Gorete Neto, também do Departamento de Técnicas e Métodos de Ensino da FaE. Ela destaca ainda que a presença ativa das lideranças fortalece uma das características fundamentais da Fiei: os conceitos de trans e interdisciplinaridade, “tão caros à Universidade”.

Em outra linha de ação, o grupo de professores envolvidos com a Fiei oferece formação a não indígenas a fim de sensibilizá-los para as causas e direitos desses povos, por meio do Curso de Formação de Professores (Cupi), atualmente oferecido para profissionais da rede municipal de Belo Horizonte. “O nosso entorno é completamente ignorante em relação ao conhecimento dos povos indígenas. Um exemplo é que, nessa situação no Sul da Bahia [leia na página anterior e no quadro abaixo], muitos dos moradores da região vão dizer que aqueles que estão reivindicando terra não são índios, o que mostra um total desconhecimento da história desses povos e de tudo o que eles vivenciam historicamente”, comenta Maria Gorete Neto. Em sua opinião, se não houver sensibilização da sociedade para um mínimo entendimento dessas causas, muito pouco se conseguirá avançar em relação aos direitos indígenas.

Dentro da UFMG, diz Gorete Neto, a Fiei cumpre todas as funções fundamentais da Instituição – ensino, pesquisa e extensão –, além de trabalhar a gestão. “Por permitir uma aproximação com os saberes tradicionais dos povos indígenas, o curso possibilita que outro tipo de conhecimento seja construído na Universidade”, avalia a coordenadora.

Insegurança impede atividades na bahia

Os intermódulos da Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei) previstos para dezembro estão suspensos em virtude do clima de insegurança decorrente da ação das polícias federal, militar e civil do estado da Bahia, no fim do mês passado. A situação vivenciada por alunos e professores da UFMG que estavam em aldeia Pataxó em atividades acadêmicas da etapa intermediária do curso não foi resolvida, afirma a coordenadora do vestibular Fiei, professora Maria Gorete Neto.

“O clima de insegurança é muito grande. Temos notícias de que nossos alunos estão ilhados, com pistoleiros cercando as saídas das aldeias”, relata a professora. Sem a possibilidade de deslocamento entre os territórios indígenas, as atividades do curso ficam comprometidas. “Algumas das aldeias em que há estudantes da Fiei não estão na área de conflito, mas para chegar até elas temos de atravessar locais de confronto”, explica.

A professora Vanessa Tomaz destaca que ao ferir o direito à permanência na terra, a ação policial também desrespeita o direito dos indígenas à educação. “A UFMG está cumprindo o seu papel, vem fortalecendo a cada dia as ações de educação indígena, mas um direito está atrelado a outros, especialmente ao direito básico à terra”, reitera a professora.

Apesar da suspensão dos intermódulos deste mês, Maria Gorete assegura que o curso oferecido pela UFMG não está ameaçado. “Nossas atividades vão continuar. O que queremos é a garantia de segurança, por parte do Estado, nossa e dos nossos alunos, com o cumprimento do que a Constituição já diz, que é a demarcação e o reconhecimento do território deles e a desintrusão dessas áreas”, afirma, lembrando que, embora essa tenha sido a primeira vez que os professores da Universidade estiveram diante desse tipo de situação, alunos da Fiei “vivem em regiões de confronto o tempo inteiro, porque estão em terras indígenas invadidas historicamente, desde a chegada dos europeus ao Brasil”.