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Nº 1928 - Ano 42
15.02.2016

Dramaturgia para os orixás

Com 35 anos de existência, Grupo Sarandeiros volta a apresentar em Belo Horizonte espetáculo que mudou seu método de criação em dança

Itamar Rigueira Jr.

Em 2001, quando a Campanha de Popularização do Teatro em Belo Horizonte passou a incluir espetáculos de dança, o Grupo Sarandeiros, vinculado a projeto de extensão da UFMG, estava entre os pioneiros. Neste mês de fevereiro (26 a 28, no Teatro Bradesco), depois de um período de afastamento, a trupe participa da iniciativa pelo segundo ano seguido, reeditando o espetáculo Quebranto.

Com 35 anos de existência, completados no ano passado, o grupo pautou sua atuação, por mais de duas décadas, na interpretação tradicional de manifestações folclóricas e populares. Quebranto se baseia em recursos dramatúrgicos e nos passos tradicionais de danças africanas para contar histórias mitológicas da cultura iorubá no Brasil. "Não existem coreografias prontas para cada orixá, e buscamos em pesquisas de terreiro e nos movimentos estruturados para a interpretação de cada mito as bases para a elaboração coreográfica. O processo criativo estabelecido em Quebranto mudou a cara do Sarandeiros", diz o diretor do grupo, Gustavo Côrtes, professor há 18 anos da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

Ele explica que o grupo foi-se abrindo para novas técnicas e novos universos, extrapolando o âmbito do folclore. Ao mesmo tempo, juntaram-se ao Sarandeiros dançarinos de origens e experiências diversas. "Ao se aliar aos movimentos tradicionais e às vivências pessoais dos integrantes, a dramaturgia amplia as possibilidades de criação de coreógrafos e intérpretes, dando mais espaço à subjetividade nos trabalhos artísticos com danças brasileiras", diz Gustavo Côrtes.

O espetáculo, datado de 2008, foi reeditado com outro elenco para a campanha deste ano. O trabalho que, à época, durou dois anos, resultou de intensas pesquisas em terreiros de Belo Horizonte e aulas de danças dos orixás realizadas com Nildinha Fonseca, do Balé da Bahia. O grupo contou com a ajuda de muitos babalorixás e pessoas ligadas ao Candomblé, que, segundo Cortês, entenderam a obra como um trabalho de criação e de tradução artística.

"Infelizmente, não temos tantos dançarinos negros no grupo para representar todos os orixás nesse espetáculo. Sabemos que a representatividade e o protagonismo negro são extremamente importantes para um trabalho baseado em aspectos intrínsecos da cultura negra, e todos os integrantes do Sarandeiros estão alinhados com essa valorização. Apesar de nossos limites de elenco para essa representação, o desejo de levar Quebranto ao mundo renovou o interesse em reeditá-lo", argumenta o diretor.

Na academia

O Sarandeiros foi criado em 1980, pelas professoras Vera Soares e Marilene Lima, e teve suas atividades interrompidas em 1995, com a aposentadoria das fundadoras. Dois anos depois, quando se tornou professor da Escola, Gustavo Côrtes assumiu a direção. O Sarandeiros, que era formado exclusivamente por alunos da Escola, abriu suas portas a artistas de fora e deixou de lado o folclore estrangeiro para priorizar as manifestações brasileiras. Desde então, foram criados sete espetáculos, entre os quais O profano e o sagrado (1999) Dança Brasil (2003) e Gerais de Minas (2006).

O grupo, composto hoje de 56 dançarinos e quatro músicos, é uma das vertentes do projeto de extensão Escola de Dança e Ritmo Sarandeiros, que contempla também dança de salão, ioga, grupos infantis nas escolas e o projeto Sarandoso, destinado a pessoas a partir de 60 anos. O Sarandeiros se relaciona estreitamente com o grupo de pesquisa Edudança – que privilegia aspectos como educação física, dança, lazer, cultura e saúde – e com disciplinas abertas que abordam temas como danças brasileiras e relações entre corpo e cultura e entre folclore e educação.

Primeiro grupo brasileiro premiado pelo Festival de Culturas do Canadá (2014), o Sarandeiros parte, em junho, para sua 16ª turnê internacional. Serão 25 dias entre Paris e as ilhas Guadalupe, no Caribe. O grupo foi um dos dez selecionados por órgão da Unesco e vai mostrar, mais uma vez, performances do Quebranto e de outros espetáculos do grupo construídos sobre a ideia de "tradução da tradição", na expressão de Gustavo Côrtes, que defendeu tese sobre o tema em 2013, no curso de Dança do Instituto de Artes, da Unicamp, e na Université Paris 8, na França.