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Nº 1931 - Ano 42
07.03.2016

opiniao

Assistência estudantil:
a quem será que se destina?

Tarcísio Mauro Vago*
Licinia Maria Correa**

A assistência social é uma invenção das sociedades democráticas e do Estado Moderno. A cidadania e a dignidade humana só se concretizam em sociedades que tomam a igualdade como direito fundamental. A proteção e a seguridade social são direitos garantidos às pessoas que deles necessitam quando a distribuição dos bens e serviços não é equitativa. No Brasil, um país reconhecidamente desigual, as políticas sociais são a forma de operacionalização desses direitos, porque promovem a universalização do acesso a bens e recursos públicos.

A concepção de assistência que orienta nossas políticas sociais pauta-se não mais pela tutela ou pelo assistencialismo, e não apenas para prover necessidades ou superar vulnerabilidades, mas pelo princípio de que, quanto maior o desenvolvimento humano e social, maiores serão nossas possibilidades de realizar efetivas mudanças.

Nessa direção, a assistência estudantil é aqui compreendida como uma política social focalizada que opera na redução das desigualdades educacionais. Seu pressuposto básico é de que o direito à educação pública, de qualidade, só se realiza com a garantia do acesso e da permanência nas instituições de ensino. Nas circunstâncias atuais, cada instituição de ensino superior, considerando suas peculiaridades, tem autonomia para constituir e praticar um conjunto de ações articuladas ao Plano Nacional de Assistência Estudantil.

A Pró-reitoria de Assuntos Estudantis (Prae), criada em novembro de 2014, é responsável por elaborar, coordenar e avaliar a Política de Assistência Estudantil da UFMG, contribuindo para a permanência e o percurso acadêmico de estudantes, segundo os princípios de igualdade de direitos e de oportunidades. Essa política fundamenta-se em três eixos: ações afirmativas, apoio a projetos acadêmicos de estudantes e programa UFMG de assistência estudantil, executado pela Fundação Universitária Mendes Pimentel.

Assim, cabe à Prae elaborar políticas orientadas para o provimento das condições materiais e imateriais necessárias à permanência de estudantes na UFMG, na perspectiva do direito, participando também do enfrentamento de todas as formas de discriminação que afetam os estudantes em seu desenvolvimento pleno na Universidade – racismo, sexismo, machismo, homofobia, transfobia, capacitismo –, entre outras. Efetivar essa política é condição necessária para que todos os estudantes vivenciem plenamente seu percurso acadêmico.

Cabe ao Conselho de Assuntos Estudantis, órgão consultivo da Pró-reitoria, propor princípios e diretrizes para elaboração dessas políticas. Nele têm assento, junto com seus pró-reitores, os representantes dos estudantes (indicados pelo DCE), da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) e da Fump. Além do Conselho, temos também o Observatório de Políticas Estudantis (aberto à participação da comunidade) e as três diretorias da Prae: a de Ações Afirmativas, a de Assistência Estudantil e a de Apoio a Projetos de Estudantes.

Considerando os três eixos que sustentam as ações destinadas a estudantes, é preciso indagar: "a quem será que se destina" a política de assistência estudantil da UFMG? Refletimos aqui sobre duas possíveis respostas. A primeira toma como princípio a universalização da assistência, admitindo-se que ela deve alcançar todos os estudantes da UFMG, indistintamente. A segunda apoia-se no princípio da igualdade e da justiça social. A assistência social existe para garantir equidade, mas em dadas circunstâncias, alguns indivíduos podem e precisam ter mais direitos que outros. Aqui, há uma contraposição ao princípio de se universalizar indistintamente a assistência estudantil; universalizar, nesse caso, pode significar "dar mais a quem tem muito".

Reconhecemos a equidade como condição de igualdade. Por isso, defendemos uma política de assistência que tenha por primazia a distribuição equitativa dos bens e recursos públicos. Pensar a assistência estudantil da UFMG exige interrogar primeiramente se os direitos sociais que nos fazem "ser como os outros" têm sido plenamente garantidos. A garantia à assistência estudantil assume, então, contornos próprios: não é por ser subjetiva que se poderia estendê-la a todos. Ela precisa ser um direito peculiar, reconhecido e respeitado em um público de destino muito bem estabelecido.

Assim, quando se trata da garantia das condições materiais, defendemos que a UFMG adote uma política de assistência focalizada. Se todos os estudantes têm direito à educação superior pública, nem todos têm as mesmas demandas de acesso aos benefícios sociais, como têm os da assistência estudantil. Há que indagar a quais jovens tais benefícios foram historicamente negados, impedindo-os de viver com autonomia. Assim, não consideramos que o direito à assistência poderia ser tratado como universal, porque universalizar a redistribuição de bens e recursos públicos seria estender um pressuposto "direito" a quem, de certa forma, já foi beneficiado. Isso significaria comprometer um direito de fato – porque tem raízes históricas – daqueles e daquelas que sem ele não encontrariam as condições para realizar sua travessia acadêmica. É isso que nos faz defender uma política de assistência a estudantes com direito histórico a ela – para eles e elas é que se deve destinar a assistência estudantil da UFMG.

Entrar na UFMG e nela permanecer até a conclusão do curso é, sim, um direito universal. Aqui, estamos de acordo, e temos participado das lutas sociais para realizar esse princípio basilar da cidadania. Nesse sentido, a defesa intransigente dos direitos humanos constitui e amplia o debate sobre a assistência estudantil. Ações que propiciam a cada estudante as condições imateriais de permanência na Universidade também precisam ser – e têm sido – implementadas pela UFMG.

Os direitos sociais, emanados do princípio da igualdade e dos direitos humanos, com suas bases éticas compartilhadas universalmente, estão cada vez mais inter-relacionados. Por isso, as demandas que emergem da defesa dos direitos humanos evidenciam a necessidade de refinar nossa política de assistência estudantil.

*Pró-reitor de Assuntos Estudantis da UFMG
**Pró-reitora adjunta de Assuntos Estudantis da UFMG