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Nº 1958 - Ano 42
26.09.2016
Ana Rita Araújo
Acervo pessoal |
Birbrair: uso de agente originalmente patogênico abre possibilidades terapêuticas em várias frentes |
Estudo desenvolvido por professor da UFMG, com a colaboração de pesquisadores norte-americanos, sugere uma série de estratégias que, associadas, podem se constituir em promessa terapêutica para eliminar o glioblastoma, tumor cerebral agressivo, que dá ao paciente baixo prognóstico de sobrevivência. Descrito em artigo publicado neste mês na revista Stem Cells Translational Medicine, o trabalho mostra que é possível fazer as células-tronco neurais derivadas do músculo esquelético chegarem a todas as áreas afetadas – tumor central e seus satélites –, levando vírus modificado por engenharia genética, que produz, de forma contínua, uma droga potente e de eficácia comprovada contra esse tipo de câncer.
Acervo pesquisa |
Células-tronco (verde) tansportam o vírus HIV, que, modificado por engenharia genética, produz droga de eficiência comprovada contra o glioblastoma |
"O grande achado da pesquisa foi a descoberta de que uma célula-tronco neural derivada do pericito muscular, célula dos vasos sanguíneos do músculo esquelético, tem atração natural por substâncias produzidas pelo tumor", esclarece o professor Alexander Birbrair, do Departamento de Patologia do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), primeiro autor do artigo. O vírus modificado é o HIV, que, em estado normal, causaria a aids e, quando modificado, perde essa capacidade. Incluído nessa célula, ele chega às áreas cancerosas, nas quais descarrega o medicamento. Birbrair explica que a barreira hematoencefálica, que protege o cérebro e o isola do resto do organismo, torna-se fator negativo quando se trata de fazer chegar ao local, por via sanguínea, medicamentos que combatam células tumorais. Daí a necessidade de se desenvolver outras estratégias para atingir o tumor.
O artigo recém-publicado demonstra como as células-tronco neurais, em inglês Neural-like stem cells (NLSC), movem-se em direção às regiões afetadas pelo tumor, tanto na área central quanto em suas metástases. Com o auxílio de proteínas com cores fluorescentes, foi possível acompanhar esse movimento. "Descobrimos que essas células in vitro tinham afinidade com as substâncias tumorais, mas era preciso observar se no animal elas migrariam para o local correto. Em camundongos, injetamos, em um dos lados do cérebro, as células do câncer, com fluorescência vermelha, e, no outro lado, as células-tronco, em verde. E observamos que estas migravam, procurando aquelas, até mesmo nas áreas com metástase", descreve.
A capacidade do pericito de se transformar em célula neural havia sido descrita em trabalhos anteriores de Birbrair e seu grupo de pesquisa. "Isso foi muito interessante porque células neurais morrem, em razão de várias doenças degenerativas, e precisam ser recuperadas. Mas não é viável uma biópsia do cérebro para fazer essa reposição. Já o músculo é uma fonte de fácil acesso, abundante, que cresce novamente e não acarreta problema ético" explica o pesquisador.
Depois de observar in vivo o movimento das células-tronco neural like, a etapa seguinte foi incluir nelas o vírus HIV capacitado à produção da droga antitumoral Trail, cujo potencial foi estabelecido pelo pesquisador Akiva Mintz, da Wake Forest University (EUA), colaborador de Birbrair. Embora o uso do HIV como veículo terapêutico já seja conhecido, por exemplo, na terapia gênica, a pesquisa é inédita nesse tipo de associação, com a inserção, nas células-tronco neurais, da sequência de DNA necessária para produzir o medicamento. "Essa droga, uma proteína, não conseguiria ultrapassar eficientemente a barreira hematoencefálica por meio da circulação sanguínea. Além disso, como as drogas têm meia-vida, devem ser injetadas repetidamente, enquanto as células-tronco são capazes de produzir a droga continuamente", enfatiza o professor da UFMG.
Outro aspecto fundamental da pesquisa foi uma série de testes para observar se as NLSC seriam capazes de originar células tumorais e vasos sanguíneos, que alimentam tumores, ao carrearem nutrientes e oxigênio. "O problema é que a definição de célula-tronco é muito parecida com a de tumor, pois ambos se caracterizam por grande capacidade de proliferação. Embora a célula-tronco tenha limite de crescimento, também pode formar tumores, como certos tipos de células", explica o pesquisador.
Assim, a espera, por mais de um ano, para verificar se ocorreria geração de tumores foi uma das etapas do trabalho. "A NLSC não origina tumores nem produz vasos sanguíneos", confirma Birbrair. Sem essas condições, a célula não poderia ser utilizada para carrear o vírus e a droga a regiões do cérebro afetadas pelo glioblastoma. Por fim, todas as outras condições necessárias foram comprovadas pela equipe: as células-tronco neurais com o vírus alcançam as regiões do cérebro com células tumorais e continuam produzindo a proteína que, comprovadamente, mata o tumor.
"Toda a pesquisa foi feita em camundongos. Para levar adiante as próximas etapas, incluindo testes pré-clínicos para pacientes com câncer de cérebro, grandes investimentos em pesquisa são necessários e muito bem-vindos", enfatiza Alexander Birbrair. Ele também pondera que o fato de usar um vírus normalmente patogênico para uma finalidade benéfica abre possibilidades em diversas áreas: "Como tem tropismo para o sistema nervoso central, o vírus da Zika poderia, no futuro, ser usado, por exemplo, para levar drogas a certas regiões do cérebro afetadas por doenças neurodegenerativas."
Artigo: Novel peripherally derived neural-like stem cells as therapeutic carriers for treating glioblastomas
Autores: Alexander Birbrair, Anirudh Sattiraju, Dongqin Hu, Gilberto Zulato, Izadora Batista, Van T. Nguyen, Maria Laura Messi, Kiran Kumar Solingapuram Sai, Frank C. Marini, Osvaldo Delbono e Akiva Mintz
Publicado em: Stem CellsTranslational Medicine, em 15 de setembro de 2016
Oscar Schmidt, estrela do basquete brasileiro, trouxe o glioblastoma para os holofotes, ao anunciar o tratamento contra essa doença, que está entre os cânceres mais agressivos e frequentemente produz incapacidade progressiva. Glioblastomas multiformes (GBMs) são neoplasias originárias das células da glia, tumores primários mais comuns do sistema nervoso central (SNC).
"A natureza infiltrativa do tumor torna a sua retirada completa quase impossível. Mesmo para pacientes submetidos à extirpação total, a taxa de recorrência é muito alta", explica Alexander Birbrair. Por isso, os GBMs malignos têm seu melhor manejo com a abordagem combinada de radioterapia pós-operatória e quimioterapia adjuvante, após a cirurgia inicial, para diminuir o risco de recidiva. "No entanto, mesmo tendo sido extirpado cirurgicamente e tratado com quimioterapia e radioterapia, a probabilidade de recorrência do tumor é enorme, especialmente por causa dos satélites que não foram eliminados", alerta o pesquisador.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), a incidência de tumores do SNC no Brasil é de aproximadamente sete em cada cem mil habitantes. A mediana de sobrevida é, geralmente, inferior a um ano a partir do diagnóstico, e a maioria dos pacientes (90% a 95%) evoluirá para óbito em dois anos. "O objetivo dos cientistas é tentar, de diversas formas, aumentar a sobrevida desses pacientes", enfatiza Birbrair.
A morbidade e a mortalidade dos GBMs, segundo o pesquisador, são proporcionais à sua capacidade de migração e infiltração nos tecidos adjacentes, o que torna inútil o esforço de ressecção total do tumor. "As células tumorais infiltrativas, satélites perineuronais, são acompanhadas de edema, o que facilita a invasão para outras regiões e a formação de novas massas tumorais em áreas distantes do local de origem do tumor", esclarece.