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Nº 1982 - Ano 43
19.06.2017
Luana Macieira
O conceito de saúde única, desenvolvido no início dos anos 2000, preconiza que a saúde das pessoas está conectada à saúde dos animais e a do próprio ambiente em que estão inseridos. Para tratar desse assunto e da influência das zoonoses na vida humana, a UFMG vai receber, nesta semana, o especialista norueguês Jacques Godfroid [foto], professor da Artic University of Norway. Médico e doutor nas áreas de biologia molecular e ciência veterinária, o pesquisador construiu sua trajetória acadêmica ancorado no conceito de saúde única.
Sua principal atividade no campus Pampulha ocorrerá nesta terça, 20, quando vai ministrar a conferência Doenças zoonóticas sem potencial pandêmico e a necessidade de uma abordagem inovadora baseada no conceito de saúde única, que integra o ciclo UFMG, 90 anos: desafios contemporâneos. A conferência começa às 14h, no auditório 1 da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Face), com entrada aberta ao público.
Para o professor Renato de Lima Santos, diretor da Escola de Veterinária, a estada de Godfroid na UFMG permitirá que alunos e professores se aprofundem no conceito de saúde única, tão importante em estudos que conectam distintas áreas do conhecimento. "A Escola de Veterinária conta com projetos e pesquisadores que atuam em tópicos fortemente aderentes a esse conceito, particularmente em estudos que envolvem doenças zoonóticas. Além de ministrar conferência, o professor Godfroid vai interagir com pesquisadores e estudantes da graduação e da pós-graduação, que poderão aprender muito com essa visita", diz Lima Santos.
Como o conceito de saúde única pode colaborar para a compreensão das zoonoses?
O conceito de saúde única possibilita que sejam feitos esforços colaborativos, em diversas áreas, para o tratamento dessas doenças. Muitos fatores alteraram o modo como pessoas e animais interagem, e essas mudanças provocaram o surgimento de novas doenças. Seis de cada 10 doenças que acometem os humanos são provenientes de animais, e o conceito de saúde única favorece o entendimento dessa relação.
No caso da saúde humana, as zoonoses são mais bem prevenidas nas pessoas quando a infecção é controlada primeiramente nos animais. A pasteurização do leite, por exemplo, foi um modo de diminuir a incidência da brucelose – doença comum no gado – em humanos. Em relação aos animais, quando enquadramos a zoonose no conceito de saúde única, conseguimos proporcionar bem-estar a eles e garantir que os países pecuaristas consigam se livrar das doenças, certificando-se como exportadores de carne e outros produtos. E há também a saúde do próprio meio ambiente. A erradicação de doenças como a brucelose em animais e humanos é essencial para a manutenção da biodiversidade e do ecossistema. Em escala global, isso faz do nosso planeta um bom lugar para todas as espécies.
Por que o senhor, em sua conferência, vai destacar o caso da brucelose, uma doença não epidêmica?
Apesar de não possuir potencial pandêmico, a brucelose é causada por diferentes tipos de bactérias e afeta o gado, as ovelhas e os porcos, além de cães e animais selvagens. Transmitida a pessoas por contato direto ou pelo consumo de leite e seus derivados, a brucelose é classificada como uma zoonose negligenciada, pois afeta principalmente os países mais pobres. Zoonoses negligenciadas, apesar de não serem priorizadas, também precisam de tratamentos inovadores para diminuir seus impactos em pequenas propriedades.
Em que lugares a brucelose é mais comum?
A maior incidência da brucelose pode ser observada no Oriente Médio e em países da África Subsaariana, além da China, Índia, Peru e México. Como pode sobreviver no ambiente por muitos meses, a bactéria consegue infectar muitos animais e contaminar os produtos da indústria pecuária. Em locais onde a produção de leite é importante, isso pode ser um problema.
Como as zoonoses de animais com importância econômica podem ser prevenidas?
No mundo industrializado, programas de controle e erradicação de doenças têm sido implementados para proteger o gado, as ovelhas e os bodes. O primeiro passo de um programa de controle é a vigilância por meio de detecção sorológica. A vacinação compulsória também pode ser implementada entre os cinco e 10 anos de vida do animal. Quando a incidência é baixa (inferior a 2%), a doença é erradicada, o que põe fim à vacinação obrigatória e determina a implementação de uma política de teste e abate dos animais doentes. Ao alcançar o status brucellosis free (livre da brucelose), esses países conseguem o acesso ao mercado internacional para exportar seus produtos.
Por que muitos países ainda não conseguem erradicar a doença?
Esses programas são caros e exigem recursos financeiros e mão de obra de especialistas, geralmente não disponíveis em países mais pobres. Algumas vacinas importantes para o tratamento da brucelose só estão disponíveis para o gado e para pequenos ruminantes, não para porcos. Além disso, as vacinas ainda possuem algumas desvantagens – a maior delas é a indução ao aborto em fêmeas grávidas.
Como a brucelose afeta os humanos?
A brucelose é uma zoonose altamente infecciosa em humanos e causa uma doença conhecida como "febre Malta" (identificada pela primeira vez na Ilha de Malta, por volta de 1950). Febre intermitente, dor de cabeça, fraqueza, suor e perda de peso são seus sintomas. O tratamento é feito por meio de antibióticos e não há vacina para a brucelose em humanos.