Podcast sobre personalidades lésbicas estreia com biografia de Angela Ro Ro
Em quatro episódios, produção do Grupo de Estudos em Lesbianidades, da Fafich, retrata as controvérsias, os desafios pessoais e a violência sofrida pela artista durante a ditadura
Por Hellen Cordeiro
Conhecida pelo estilo carismático e personalidade forte, Angela Ro Ro foi uma das primeiras artistas a assumir publicamente sua condição de lésbica. Símbolo de resistência, a cantora e compositora é tema da temporada de estreia do Entendidas podcast, lançado em 20 de agosto. Trata-se de iniciativa do Grupo de Estudos em Lesbianidades (GEL), da Fafich, em parceria com a Rádio Terceiro Andar.
Em quatro episódios, lançados semanalmente, a trajetória de Ro Ro é contada em suas diversas facetas. São apresentados os momentos de controvérsia, desafios pessoais e situações de violência enfrentadas por ela. De acordo com o texto de divulgação, “o objetivo é resgatar e valorizar a memória sapatão, trazendo foco a trajetórias que, muitas vezes, não são devidamente documentadas nem reconhecidas ao longo do tempo na cultura”.
Processo de criação
O Entendidas foi produzido por Leíner Hoki, coordenadora do podcast e doutoranda em Artes Visuais na UFMG, e Maria Alice Carletti, graduanda em Psicologia e bolsista do GEL, com apoio das professoras Joana Ziller e Dayane Barreto.
A produção, dedicada à divulgação da história de personalidades lésbicas da cultura brasileira, combina referenciais populares e teóricos para construir um arquivo das contribuições dessas figuras, que ainda são pouco exploradas no cenário acadêmico. “O podcast nasceu por causa da Ro Ro”, resume a professora Joana Ziller, coordenadora do GEL/UFMG.
Leíner revela que o processo do podcast foi “longo e muito trabalhoso”. A produção contou com o apoio do Núcleo de Direitos Humanos e Cidadania LGBTQIA+ (NUH) da UFMG, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e do Programa de Bolsas de Extensão da Universidade.
O roteiro foi escrito com base no acúmulo teórico do GEL, que vem sendo construído desde 2018, com participação de pesquisadores como a doutoranda Paula Silveira Barbosa e a mestre em Comunicação Mohara Villaça.
Parte do roteiro tem origem em reflexões da dissertação de Leíner Hoki, intitulada Tríbades, safistas, sapatonas do mundo, uni-vos. A pesquisa, publicada em 2021 pela editora Urutau, ficou entre os 10 finalistas do prêmio Jabuti em 2022.
Como artista visual e escritora, Leíner também propôs iniciar os episódios com uma espécie de miniconto, tendo como cenário Ro Ro ao piano. “A história da Ângela é recheada de cenas ao piano, então a gente quis colocar umas pílulas imagéticas dela nessa relação com seu objeto de dedicação”, explica. “Tivemos essa ideia em conversas com o Vítor Drummond, que auxiliou na consultoria de roteiro, e com a bolsista Maria Alice Carletti [que auxiliou a organizar o arquivo audiovisual de Angela Ro Ro]”, conta.
Ícone da resistência lésbica
Nascida no Rio de Janeiro, em 1940, Angela Maria Diniz Gonçalves ganhou o apelido “Ro Ro” na infância por causa da voz rouca. Anos mais tarde, no período da ditadura militar, Angela foi figura atuante na resistência à repressão e à censura, enfrentando barreiras sociais relacionadas à sua sexualidade. Ela foi vítima de violência física, torturas e perseguições por parte de forças de segurança pública, tendo perdido parte da visão e da audição. Na época, Angela foi para a Europa, onde trabalhou como faxineira e garçonete antes de iniciar sua carreira musical no fim dos anos 1970, quando lançou seu primeiro álbum, Ângela Rô Rô, com músicas como Amor, meu grande amor e Compasso.
“A Angela Ro Ro é uma personagem muito importante da cultura brasileira, uma cantora muito relevante, com longo histórico de contribuições, parcerias e grandes sucessos. Mas não havia um registro biográfico da Ângela, assim como não há da maioria das artistas lésbicas, e a gente notou isso”, diz Joana Ziller.
Ziller chama a atenção para o apagamento histórico e a escassez de produções acadêmicas sobre o tema. “Ao passo que apresenta o lado artístico de Ro Ro, a produção também reflete sobre os desafios da pesquisa sobre lesbianidades e pessoas LGBTQIAPN+, apresentando ao público um pouco do conhecimento que temos produzido dentro da universidade.”
Apagamento histórico e direito à memória
Joana Ziller ressalta a importância de resgatar e criar registros sobre a memória LGBTQIAPN+, visto que esse é um direito recorrentemente negado. “Há uma lacuna muito grande de produção no que se refere às lesbianidades. Quase não há grupos produzindo sistematicamente sobre essa temática, que é muito pouco explorada e reconhecida. Com isso, a gente vê que há um grande problema no registro da memória”, explica.
A docente pontua que a lesbianidade sempre foi menos discutida, debatida, explorada e registrada do que, por exemplo, a vida de homens gays. “Isso se deve ao fato de que o lugar atribuído à mulher em nossa sociedade sempre foi o privado. Assim, as lesbianidades foram pouco vividas no espaço público. Enfim, há um processo de apagamento das nossas memórias, e isso nos levou a estrutura esse podcast”, afirma Ziller.
Entre as ações regulares do grupo está o Encontro de pesquisas em lesbianidades, realizado a cada dois meses, com reunião de pesquisadoras no YouTube.
Os dois primeiros episódios já estão disponíveis no Spotify.
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