Economia mundial terá perdas de US$ 128 bilhões com elevação de tarifas pelos EUA
Estudo da Face projeta retração generalizada com as medidas protecionistas de Donald Trump; o maior prejuízo recairá justamente sobre a principal potência do planeta
Por Ewerton Martins Ribeiro
A guerra tarifária recentemente posta em curso pelo governo dos Estados Unidos deve resultar em uma queda de 0,16% no Produto Interno Bruno (PIB) global, o que equivale a uma perda de US$ 128 bilhões. Além dessa queda de atividade, o comércio mundial também deve sair prejudicado, sofrendo uma retração de 2,81%, o que equivale a perdas de US$ 592 bilhões. Já o bem-estar global – medida monetária que visa refletir a perda de bem-estar econômico – deve sofrer diminuição da ordem de US$ 130 bilhões.
Essas estimativas foram apresentadas no estudo Impactos econômicos regionais e setoriais das elevações de tarifas de importações dos EUA e China anunciadas em março e abril de 2025, que acaba de ser publicado pelo Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental Aplicada (Nemea) do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Faculdade de Ciências Econômicas (Face). O relatório do estudo pode ser acessado no site do Nemea.
Estados Unidos vs. China: jogo de ‘perde-perde’
O relatório do Cedeplar demonstra que EUA e China sairão perdendo da guerra comercial instaurada por Donald Trump, mas em diferentes proporções. Para a China, a projeção é de que o PIB sofrerá redução de US$ 32,7 bilhões, ou 0,27%. Os Estados Unidos, por sua vez, enfrentariam redução de US$ 92,7 bilhões (0,48%) em seu PIB, o que reflete “uma considerável perda econômica”, anotam os pesquisadores. Portanto, a perda estadunidense projetada é quase duas vezes maior que a chinesa em termos relativos e quase três vezes maior em termos absolutos.
Os pesquisadores apontam a razão para essa diferença entre as perdas econômicas dos dois países. “Ao se instaurar um imposto sobre os importados, parte dos custos de produção (insumos produtivos) ficam mais caros, retraindo o nível de produção e, consequentemente, a atividade econômica. Para o caso dos EUA, esse argumento é mais notável, dado que o país aplicou tarifas para todas as regiões nessa simulação, reduzindo potenciais efeitos de substituição de parceiros comerciais. Já no caso da China, como o país apenas aplicou tarifas sobre os EUA, a metodologia captura mudanças nos padrões de comércio, indicando substituições de parceiros comerciais.”
O estudo indica ainda que a União Europeia (UE) também seria afetada negativamente pelas medidas, mas com uma redução de “apenas” US$ 2,2 bilhões em seu PIB, variação negativa de 0,01%. O bloco europeu avalia a possibilidade de retaliar os EUA. Ao todo, o levantamento analisou 29 regiões e 46 setores, sob a perspectiva da estatística comparativa. De modo geral, os Produtos Internos Brutos (PIBs) e demais valores-base mobilizados e utilizados para os cálculos têm como referência o ano de 2017, versão mais atual da base de dados disponível.
Brasil: desindustrialização e hipercomoditização
É possível que um pequeno incremento – da ordem dos US$ 350 milhões, ou 0,02% – venha a ser observado no PIB brasileiro como consequência das medidas de proteção comercial adotadas pelo governo de Donald Trump. Esse aumento seria consequência quase exclusivamente do ganho na produção e exportação da soja. Com exceção do setor das sementes oleaginosas, todos os demais (inclusive os demais segmentos agropecuários) deverão sofrer “perdas significativas” em razão das medidas de Trump – em particular, o de serviços e a indústria, essenciais para melhorar o posicionamento estratégico do Brasil na estrutura econômica mundial, se a pensamos sob o ponto de vista do ganho de valor agregado.
“O setor industrial seria o mais afetado, estimando-se uma perda de US$ 3,5 bilhões, o que representaria um impacto adverso considerável na economia brasileira. O segmento de serviços também enfrentaria uma diminuição, com perda de US$ 375 milhões”, anota-se no relatório, apontando para a possibilidade de um preocupante avanço na hipercomoditização da economia brasileira. “A elevada perda de exportações e produção da indústria brasileira sugere efeito de ‘desindustrialização’ na economia. Esse fenômeno teria consequências significativas nas perspectivas de crescimento e geração de empregos mais qualificados e com maior remuneração”, registra-se no relatório.
Metodologia
O estudo Impactos econômicos regionais e setoriais das elevações de tarifas de importações dos EUA e China anunciadas em março e abril de 2025 é assinado por Edson Paulo Domingues e Aline Souza Magalhães, professores da Faculdade de Ciências Econômicas (Face) e coordenadores do Nemea, e pelo pesquisador João Pedro Revoredo Pereira da Costa. Nos últimos anos, o Nemea tem-se destacado pela construção e utilização de modelos de Equilíbrio Geral Computável (EGC) com trabalhos em campos diversos, como tributação, mercados de carbono, mudanças climáticas e avaliação de políticas sociais.
Para projetar os impactos econômicos das medidas unilaterais de elevação de tarifas impostas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, o Nemea valeu-se justamente de um modelo do tipo EGC. Nesse primeiro relatório, foram apresentados apenas os resultados regionais e de comércio em nível agregado. Resultados setoriais e regionais serão descritos detalhadamente em relatórios subsequentes com base dos desdobramentos “do que pode estar se configurando numa guerra comercial”, conforme anotam os pesquisadores. A metodologia utilizada possibilita que outras variáveis, relativas a novas medidas de retaliação comercial, sejam incorporadas aos dados a ser processados pelo modelo, de modo a se poder obter resultados sempre atualizados.
Nas próximas etapas dos estudos, os pesquisadores pretendem ampliar o escopo de análise e contemplar os impactos setoriais detalhados (produção, emprego, exportações, salários, remuneração do capital etc.) das medidas de Trump no Brasil e os efeitos delas sobre os fluxos bilaterais de comércio, entre outras variáveis. A projeção é que as medidas protecionistas estadunidenses estejam em vias de gerar mudanças estruturais na cadeia produtiva tanto das principais economias mundiais (Estados Unidos, União Europeia e China) quanto do Brasil.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia: bloco avalia a possibilidade de retaliar os EUA com sobretaxas comerciais
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