Universidades devem se voltar para as ‘maiorias minorizadas’, defende Edilene Lôbo, do TSE
Ministra substituta da corte eleitoral manifestou preocupação com a ‘encruzilhada digital’ e com a desinformação crescente em conferência de abertura da cúpula de universidades latino-americanas
Por Flávio de Almeida
Primeira mulher negra a ocupar o cargo de ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada e professora de Direito Edilêne Lobo fez, na noite desta terça-feira, 8, uma defesa enfática das universidades e de sua capacidade de se contraporem à “encruzilhada digital e à desinformação que cresce exponencialmente” no mundo contemporâneo. Ela ministrou a conferência que inaugurou a Latin America Universities Summit, cúpula promovida pela Times Higher Education (THE), que reúne, até quinta-feira, dia 10, na UFMG, cerca de 250 delegados institucionais de universidades e centros de pesquisa de todo o mundo.
Na abertura dos trabalhos do evento, realizada no auditório da Reitoria, Edilene Lôbo, que é mestra em Direito Administrativo pela UFMG, dividiu a mesa com a reitora Sandra Regina Goulart Almeida e com a diretora de Assuntos Governamentais para as Américas da THE, Amanda Harris.
“As universidades têm grande capacidade de agregar pessoas muito diferentes e de mudar a vida de gente como eu”, disse ela, que, em sua audiodescrição, definiu-se como uma mulher negra, vinda de uma região muito pobre no Norte de Minas Gerais (ela é natural de Taiobeiras) e a 17ª integrante de uma família de 20 filhos. “Fui das primeiras a ingressar no ensino superior [graduada em Direito pela Universidade de Itaúna] graças à formação de uma rede de apoio”, afirmou ela.
‘Vetor de oportunidades’
Ao discorrer sobre o papel das instituições de ensino superior, a ministra substituta do TSE defendeu que as universidades devem se voltar para o que chamou de “maiorias minorizadas”, em especial as mulheres negras, que ocupam, segundo ela, apenas 3% das carreiras científicas nas áreas de ciências exatas e engenharias. “Elas [as universidades] precisam saber para quem trabalham e para quem se destinam”, disse ela, citando, por exemplo, o empreendedorismo acadêmico, que, em sua avaliação, deve ser encarado e estimulado como um “vetor de oportunidades”. “E aqui não estamos falando de um profissional de aplicativo, que entrega uma comida da qual que ele nunca vai provar”, sublinhou.
Estudiosa do impacto da revolução tecnológica nas democracias, Edilêne Lobo também manifestou sua preocupação com a “encruzilhada digital” num mundo em que a “desinformação cresce exponencialmente”. Nesse ponto, também ressaltou a importância das universidades, que atuam como “filtros e barreiras contra a desinformação”.
“A revolução digital que vivemos hoje proporcionou o advento da Inteligência Artificial generativa [que possibilita a criação de novos conteúdos, em vez apenas de analisar ou classificar dados existentes], mas essas inovações estão privatizadas”, afirmou ela, criticando a atuação dos grandes donos das empresas de tecnologia, as big techs, e recorrendo ao geógrafo e intelectual brasileiro Milton Santos para justificar o seu raciocínio: “Nunca houve tantas condições de construir um mundo decente, mas elas foram expropriadas”.
Em relação à inserção da América Latina e do Brasil nesse contexto, Edilêne Lobo revelou um olhar esperançoso. “Aqui é um mundo de diversidades que não pode servir de receptáculo do padrão que modela o mundo projetado pelo Norte global”.
Por fim, a ministra voltou a defender as universidades e a sua contribuição para o término das discriminações algorítmicas que fragilizam ainda mais os grupos vulneráveis. “É preciso desnaturalizar a desigualdade”, concluiu.
Mirada crítica sobre as avaliações globais
Em sua mensagem de boas-vindas aos delegados, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida se disse honrada com o fato de a UFMG sediar a primeira edição presencial da cúpula no Brasil, reunindo líderes de 22 países de todos os continentes para refletir sobre o papel que as universidades desempenham em um mundo em transformação. “Também temos o privilégio de receber um grupo extraordinário de palestrantes e autoridades que nos inspiram com seu compromisso com o ensino superior, a ciência e a democracia”, declarou a reitora.
Sandra afirmou ainda que, entre outros assuntos, o evento abordará a internacionalização das universidades e as métricas de avaliação de seu desempenho. “Precisamos possibilitar uma mirada crítica sobre avaliações globais, sem que elas se tornem instrumento de dominação em nosso mundo cada vez mais desigual”.
Nesse contexto, a reitora da UFMG refletiu sobre uma cooperação internacional baseada em “uma perspectiva colaborativa, horizontal e, sobretudo, solidária e mais humana”. Ainda sobre as classificações e rankings, ela disse esperar “avaliações internacionais que nos ajudem a sermos cada vez melhores, mais inclusivos e mais respeitosos das diferenças e das diversidades”.
Em curto pronunciamento, Amanda Harris, diretora de Assuntos Governamentais para as Américas da THE, ressaltou sua satisfação em participar de uma cúpula sediada por uma “anfitriã generosa”, a UFMG, e disse que o evento reunirá pessoas de várias nações que compartilham do compromisso de transformar a sociedade por meio da educação.
A cerimônia de abertura foi encerrada com uma apresentação do Grupo Sarandeiros, especializado em danças folclóricas. A cúpula prossegue nesta quarta e quinta-feira com sessões plenárias, exposição de estudos de caso, painéis temáticos e visitas ao campus Pampulha.
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