Expansão universitária brasileira favoreceu regiões já estruturadas, aponta tese
Trabalho defendido na Face sugere que avanço qualitativo na interiorização do ensino superior exige políticas articuladas e planejamento sensível às particularidades territoriais
Por Matheus Espíndola
Ao longo das últimas duas décadas, a política federal de expansão do ensino superior tem levado universidades e institutos a cidades pequenas e médias do interior do país. Porém, a despeito da significativa ampliação do acesso, o ideal de redução das desigualdades territoriais não tem sido alcançado plenamente. Isso porque os impactos da presença universitária se concentraram em áreas que já dispunham de condições favoráveis de infraestrutura urbana, redes de transporte e mercado de trabalho dinâmico, entre outras.
Essa é a principal conclusão da tese Expansão e interiorização do ensino superior brasileiro: desigualdades e transformações regionais, defendida por Fransuellen Paulino Santos no Programa de Pós-graduação em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas (Face). Ao examinar a distribuição das matrículas, a pesquisadora identificou um padrão de reforço das centralidades existentes.
A maior parte das novas vagas, conforme Fransuellen apurou, foi absorvida por municípios que já exerciam certo protagonismo regional, o que evidencia que a interiorização se deu de forma seletiva. “Cidades com infraestrutura urbana minimamente consolidada e inserção em redes de mobilidade e comunicação apresentaram maior capacidade de internalizar e potencializar os impactos associados à chegada dos campi”, explica.
A autora observou, nesse sentido, que, em cidades com menor densidade populacional e estrutura econômica frágil, a universidade enfrenta mais obstáculos para se consolidar como vetor de transformação. “Essas regiões demandam atenção redobrada por parte do poder público, com políticas complementares que sustentem os efeitos da expansão”, sugere.
Outro desequilíbrio identificado pela economista diz respeito à maior prevalência de determinadas áreas do conhecimento, como Educação, Ciências Sociais, Negócios e Direito, em unidades abertas no interior do país. “Tais áreas foram priorizadas em detrimento de outras, como Saúde e Engenharias”, resume.
Impacto econômico
A tese também aborda os chamados “efeitos de transbordamento”, gerados pela presença universitária no tecido urbano. No curto prazo, observa-se o impacto econômico direto, devido ao aumento do consumo e da oferta de serviços. A longo prazo, surgem efeitos menos visíveis, mas mais estruturantes. “Esses se manifestam ao longo do tempo, por meio da qualificação da mão de obra local, da introdução de inovações, da difusão de práticas mais avançadas de gestão e da articulação com setores estratégicos da economia regional”, analisa.
Para que esses efeitos se consolidem, reforça Fransuellen Santos, é necessário superar a fragmentação das políticas públicas. A autora destaca que a ausência de coordenação entre União, estados e municípios compromete a sustentabilidade da expansão. “Embora iniciativas como o Reuni [Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais] tenham ampliado o acesso em regiões historicamente pouco atendidas, sua implementação ocorreu de forma predominantemente setorial, sem integração com políticas de infraestrutura, mobilidade ou desenvolvimento regional”, avalia.
No entendimento da autora, a efetividade da interiorização requer estratégias articuladas e inseridas em planejamento territorial. “A simples instalação de uma instituição de ensino superior não implica, necessariamente, alterações significativas no papel do município dentro de sua rede urbana”, completa.
Fransuellen Santos projeta que sua pesquisa tenha o papel de um vetor de reflexão sobre as especificidades e os desafios regionais na concepção de políticas públicas mais eficazes, e também abra caminhos para novos estudos sobre os impactos das políticas educacionais em diferentes níveis – local, regional e nacional. “Os indicadores e métodos desenvolvidos poderão ser usados por gestores públicos, pesquisadores e instituições para avaliar a viabilidade da expansão em diversos contextos. Em um país com profundas desigualdades regionais como o Brasil, compreender onde e de que forma as universidades geram impacto é essencial para orientar investimentos de forma mais estratégica”, finaliza.
Tese: Expansão e interiorização do ensino superior brasileiro: desigualdades e transformações regionais
Autora: Fransuellen Paulino Santos
Orientador: Pedro Vasconcelos Maia do Amaral
Defesa: 27 de fevereiro de 2025, no Programa de Pós-graduação em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas (Face)
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