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Ensinando além da visão

Trabalho de mestrado profissional propõe podcast de matemática para pessoas com deficiência visual

Pesquisa foi feita por Caroline Viana de Assis no âmbito do Promestre, da Faculdade de Educação; ela também escreveu um e-book, com orientações para produções acessíveis

Por Itamar Rigueira Jr.

Ilustração mostra um jovem negro com um celular na mão ouvindo um podcast. A imagem reproduz uma onda sonora e fórmulas matemáticas
Ilustração: Gabriel Lisboa | UFMG

Um conjunto de três episódios de podcast com questões de matemática (e suas soluções) é a proposta concebida em dissertação de mestrado defendida em junho deste ano na Faculdade de Educação (FaE) da UFMG. O recurso educacional é destinado a estudantes cegos e de baixa visão que estão estudando questões do Enem, e sua autora é a professora da educação básica Carolina Viana de Assis.

Os pesquisadores do Promestre, o programa de mestrado profissional em Educação criado há 10 anos, produzem uma dissertação e também um protótipo de recurso. A linha de pesquisa em que se insere o trabalho de Caroline é a de Educação, Ensino e Humanidades, uma das nove do programa. Ela foi orientada pelas professoras Sirlene Brandão de Souza, da área de educação especial e inclusiva, e Terezinha Fumi Kawasaki, da área da matemática.

“A ideia é oferecer aulas faladas. Gravei um episódio com duas questões do Enem que incluem tabelas e gráficos. As imagens e a tabela são descritas, e a pergunta é lida com ênfase nos símbolos e nas letras maiúsculas e minúsculas”, descreve a pesquisadora, lembrando que algumas variáveis são iniciadas pela mesma letra.

Caroline é graduada em Matemática e fez cursos de pós-graduação em Neurociências e Educação e em Educação Básica. Ela atua como técnica em braile do Núcleo de Apoio à Inclusão da PUC Minas e é professora de Matemática na rede privada.

Feedback
Um dos primeiros passos da pesquisa foi a aplicação de um questionário para 27 indivíduos escolhidos com a ajuda dos contatos da autora entre pessoas com deficiência visual. As respostas geraram correlações de gênero, escolaridade e ocupações dos pais, escolaridade dos entrevistados (incluindo se em escola pública, privada, especial), familiaridade com a matemática, com o formato podcast e com descrição de imagens.

Caroline, então, gravou as duas questões e mostrou a cinco pessoas que frequentavam a escola em 2008 – ano em que foi implementada a Política Nacional de Educação Especial (PNEE) – que têm o hábito de escutar podcasts e nasceram sem a visão ou a perderam, total ou parcialmente, durante o período de escolarização. Essas pessoas têm hoje entre 30 e 35 anos de idade.

“Eles me deram informações diversas e relevantes relacionadas, por exemplo, às dificuldades de aprendizagem e de socialização”, conta a pesquisadora. “Conversamos sobre os episódios gravados, e eles me deram feedback. Regravei e, então, produzi dois podcasts com as resoluções dos problemas”. As respostas aos questionários e as falas dos entrevistados foram cruzadas por Caroline com questões levantadas pelos autores-referências para a montagem dos argumentos.

Numa segunda rodada, Caroline de Assis entrevistou só os dois participantes mais familiarizados com a matemática, que deram a ela novas sugestões, como explica a autora, que já tinha experiência com descrição de imagens. Alguns procedimentos básicos, segundo ela, são ler da esquerda para a direita, de cima para baixo e da frente para o fundo da imagem. Temperatura e tempo são representados com a letra t (maiúscula e minúscula, respectivamente), e isso deve ser explicitado.

Caroline Viana é uma mulher jovem de cabelos compridos castanhos. Ela usa um par de óculos marrom. Ela está em uma área de jardins na Faculdade de Educação
Caroline é professora de matemática e técnica em braile
Foto: Jebs Lima | UFMG

Dissertação também é acessível
O recurso educacional concebido por Caroline Assis é, como ela diz, “dois em um”. Os episódios são acompanhados por um e-book com orientações sobre como fazer um podcast acessível. E ela fez questão de apresentar um trabalho acessível para pessoas com deficiência visual. “Essas pessoas usam leitores de tela, e características definidas pela ABNT são incompatíveis com esses equipamentos, como tabelas com células mescladas e numerosas quebras de linha”, exemplifica.

Caroline conta que levou um tempo até que a Biblioteca Universitária, que cataloga dissertações e teses, aprovasse abrir essa exceção. “Tentamentos também publicar em Word, em vez de PDF, para que leitores com deficiência visual parcial pudessem aumentar o tamanho da letra, mas isso não foi possível”.

Uma das providências para a acessibilidade da dissertação foi a transferência das notas de rodapé para o final do volume, uma vez que o leitor de tela não diferencia o texto corrido das notas. Nesse caso, as pessoas videntes têm acesso facilitado às notas clicando nos números sobrescritos ao longo do texto. Outra medida: como os leitores de tela não leem equações matemáticas, elas nunca aparecem no meio do texto – são todas convertidas em imagens e descritas.

Alguns benefícios dos podcasts para o ensino e a aprendizagem, de acordo com João Batista Bottentuit Junior e Clara Pereira Coutinho, duas referências teóricas para o trabalho de Caroline de Assis, são o potencial de aumentar o interesse pela aprendizagem e facilitar esse processo, dentro e fora da escola, e de estimular os alunos a criar conteúdos, o que leva à melhora de suas capacidades de entendimento e comunicação. Além disso, aponta a autora, aprender se torna mais significativo com o envolvimento da fala e da audição, e, na medida em que podem escutar os episódios mais de uma vez, os estudantes com deficiência visual aprendem cada um no seu ritmo.

Dissertação: A utilização da ferramenta podcast no processo de ensino e aprendizagem de matemática para pessoas com deficiência visual
Autora: Caroline Viana de Assis
Defesa: 6 de junho de 2025
Programa: Mestrado Profissional em Educação (Promestre)

E-book: Ensinando além da visão: uma possibilidade de ensino através do podcast
Episódios: os links para os três episódios estão na página 28 do e-book 

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