Morre José Mendonça, um dos criadores do curso de Comunicação da UFMG
Professor também foi um dos fundadores do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais e trabalhou em algumas das principais redações de jornais do país
Por Flávio de Almeida
Uma das principais referências do jornalismo mineiro e responsável pela formação de gerações de profissionais da área, o jornalista José Mendonça morreu na noite desta terça-feira, dia 21, em Belo Horizonte. Ele completaria 108 anos em dezembro e recebia cuidados médicos em casa. Seu corpo será velado nesta quarta-feira, 22, das 13h30 às 16h30, no Cemitério Parque da Colina (capela 5), e sepultado a seguir.
Nascido em Alfenas, no Sul de Minas, em 22 de dezembro de 1917, Mendonça era formado em Direito pela então Universidade de Minas Gerais (UMG). Atuou como jornalista, professor e líder sindical. Iniciou sua carreira em 1938 no antigo O Diário, mantido pela Arquidiocese de Belo Horizonte e uma das principais mídias católicas no século passado, chefiou a sucursal de O Globo na capital mineira e foi correspondente da Folha de S. Paulo em Minas Gerais.
A trajetória de Mendonça registrou momentos de pioneirismo. Ele foi fundador e o segundo presidente do Sindicato dos Jornalistas de Minas Gerais no início dos anos 1950. Em 1961, já na frente acadêmica, foi um dos três fundadores do curso de Jornalismo da UFMG – os outros foram Anis José Leão e Adival Coelho. Na época, o trio, que trabalhava na redação de O Diário, enfrentava dificuldades para encontrar mão de obra especializada para trabalhar na publicação. Surgiu então a ideia de montar um curso rápido, de apenas três meses, para ensinar aos iniciantes os conceitos básicos da profissão. A formação foi ministrada em salas cedidas pela então Faculdade de Filosofia da UFMG. O minicurso acabou sendo o embrião do curso de Jornalismo, o primeiro da capital mineira, fundado por comissão composta de professores da Universidade e pelos três profissionais.
Perfil biográfico
Boa parte da história desse personagem que atuou profissionalmente durante duas ditaduras (a do Estado Novo, 1937-1945, e a militar, 1964-1985) e no período de redemocratização do país, a partir de 1985, é retratada no perfil biográfico José Mendonça: a vida revelada, dos jornalistas Flávio Friche e Manoel Marcos Guimarães e da historiadora Maria Auxiliadora de Faria. A obra foi lançada em 2009 pela Editora UFMG, às vésperas do aniversário de 50 anos do curso de Comunicação.
No prefácio do livro, o professor Carlos Mendonça que à época chefiava o Departamento de Comunicação Social da Fafich destacou que o mestre tinha ideologia e formação católica, mas isso não serviu “de venda aos olhos de José Mendonça, que sempre enxergou o outro, seus direitos de pensar e agir de maneira distinta. “O jornalismo que ele praticou e ensinou a praticar foi sempre um exercício de convívio e respeito à alteridade. Essa característica marcou sua militância na profissão e no exercício do magistério, tanto nos períodos de bonança quanto nas turbulências da ditadura do Estado Novo e do golpe de 1964”.
O professor era um defensor da liberdade de imprensa e do exercício responsável do jornalismo. Mas também apontou com lucidez os limites da profissão. Numa exposição feita durante a 1ª Semana do Jornalismo, realizada em Uberaba, em novembro de 1953, Mendonça declarou: “Além do cuidado para não propagar o que se crê falso, deve o jornalista tomar precaução para não ser traído pelos enganos da ligeireza e da defeituosa percepção dos assuntos que foram a matéria jornalística”.
José Mendonça se aposentou compulsoriamente, a contragosto, em 1992, quando completou 75 anos. “Sempre gostei muito de lecionar e fico muito gratificado quando encontro meus ex-alunos, e eles me reconhecem”, disse ele, em entrevista aos autores do seu perfil biográfico.
Um desses alunos que teve a vida profissional marcada por Mendonça é o professor Elton Antunes, do Departamento de Comunicação. Antunes, que cursou duas disciplinas práticas com o mestre em 1986 e 1987, define Mendonça como um professor “das antigas”, no bom sentido da expressão. “Era cioso com os alunos e fazia questão de orientá-los individualmente. Ao submeter um texto ao Mendonça, tínhamos a certeza de que ele voltaria com comentários”, diz Elton. “Ele era cuidadoso com as palavras, a coisa mais importante do jornalismo, em sua visão. Foi um ensinamento que me marcou, além do seu estilo afável e gentil”, recorda-se o ex-aluno.
Em 2002, José Mendonça concedeu entrevista à série Memória & poder, da Assembleia Legislativa de Minas, na qual falou de sua trajetória e de suas ideias sobre o jornalismo. Assista ao depoimento:
José Mendonça era casado com Maria Teresa, falecida em abril de 2020, e deixou cinco filhos (Maria de Fátima, Francisco José, Teresa Cristina, Luís Eugênio e Pedro Luís), 13 netos e três bisnetas.
No texto a seguir, o jornalista Manoel Marcos Guimarães, também ex-aluno, um dos autores do perfil biográfico do professor e criador do Boletim UFMG, escreve sobre o mestre, que se caracterizava pela simplicidade e rigor profissional.
José Mendonça, a opção pela simplicidade
Manoel Marcos Guimarães, jornalista e ex-aluno
“Polivalente, tem o culto da forma”, “Jornalista de verdade”, “Rigoroso, seguro, ameno”, “Mestre e exemplo” são alguns dos títulos de depoimentos de amigos do professor Mendonça para o livro que publicamos em 2009 e que, somados, resumem bem a trajetória de vida e profissional desse “formador de jornalistas” que acaba de nos deixar, próximo de completar 108 anos de idade.
Idade rara, como rara foi toda sua vida, marcada pela simplicidade e que tivemos – eu e Flávio Friche, ex-alunos, e a historiadora Maria Auxiliadora de Faria – o privilégio de ouvi-lo contar em sessões semanais e mais de vinte horas de entrevistas gravadas.
Reproduzo parte da abertura do livro:
“O que ressalta da história de vida do professor Mendonça – e fica bem claro nos depoimentos recolhidos – é sua absoluta dedicação a todos os empreendimentos de que participou, sempre de maneira discreta, porém firme, sem qualquer sinal de vaidade ou de procurar atrair holofotes. Seu espírito e sua maneira de ser, talvez, possam ser resumidos na escolha que ele próprio fez do sobrenome, já que os pais o haviam registrado apenas pelo prenome, como era usual: podendo optar por um conjunto quase aristocrático de sobrenomes, preferiu a simplicidade e passou a assinar-se apenas José Mendonça. A partir desse nome, construiu a história do professor Mendonça.”
Mendonça tem exemplos de vida a dar em todas as suas atividades: no jornalismo, na docência, no sindicalismo, sempre marcados pela firmeza e pela ética. Cito apenas um.
Eleito segundo presidente do Sindicato dos Jornalistas, foi pioneiro ao recusar-se a entregar ao Ministério do Trabalho, para a posse, um “atestado de ideologia” passado pela Delegacia de Ordem Política e Social. A diretoria tomou posse e manteve sua posição, mesmo diante de cobranças do Ministério, que chegou até a propor que eles assumissem como “interventores”, como forma de driblar a legislação, proposta recusada. A iniciativa ficou conhecida como “a rebelião dos jornalistas mineiros”, foi seguida por outros sindicatos brasileiros, até que a exigência foi revogada pelo Ministério.
Há várias outras histórias, contadas por ele e por colegas no livro José Mendonça – A vida revelada, que faz parte da Coleção ‘Humanitas’ da Editora UFMG e ainda está disponível na Livraria da Universidade.
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