Série da TV UFMG sobre maternidade atípica vence prêmio ABP de Jornalismo
Sob a coordenação da jornalista Flávia Moraes, produção mostra como a vida de muitas mulheres é transformada pelo diagnóstico de deficiência dos filhos
Por Hellen Cordeiro
Há seis anos, o tema da maternidade atípica permeia a vida da jornalista Flávia Moraes, da TV UFMG. Com o diagnóstico de autismo da filha, ela passou a acompanhar outras mães na internet, até como forma de não se sentir sozinha. Nesse processo, viu a necessidade de abordar a realidade de mães de crianças com deficiências: “Elas precisam falar”. São essas vozes, carregadas de sentimento, desafios e amor, que compõem a série Maternidade atípica, vencedora do 11º Prêmio ABP de Jornalismo, na categoria Podcast.
Organizada pela Associação Brasileira de Psiquiatria, a iniciativa de psicoeducação reconhece e premia trabalhos jornalísticos que buscam desmitificar aspectos que envolvem os transtornos mentais e o estigma relacionado à psiquiatria e a seus pacientes.
Em três episódios, a série, que estreou em dezembro de 2024, busca entender a rotina das mães de pessoas com deficiência e promover a informação sobre inclusão. A equipe da TV UFMG abordou os desafios inerentes ao momento da descoberta do diagnóstico, a rotina de cuidados e a necessidade de políticas públicas que se atentem ao bem-estar físico e mental dessas mulheres.
Solidão e exaustão
A chegada de um diagnóstico transforma o dia a dia de muitas famílias, que passam a ter uma rotina de cuidados intensivos, acompanhamento médico frequente e adaptação. Com isso, também surgem novos desafios, como a falta de políticas públicas e assistência médica adequada, os altos valores dos tratamentos e o preconceito.
Flávia Moraes explica que algumas mulheres têm suporte e rede de apoio que as auxiliam no cuidado com os filhos, mas, em diversos casos, a demanda recai unicamente sobre as mães. Algumas delas, ao serem deixadas por seus companheiros após a descoberta do diagnóstico, precisam assumir sozinhas a tarefa de cuidar dos filhos, o que leva a uma exaustão que compromete a saúde física e mental.
“Eu sinto muita dor e solidão nessas histórias” afirma Flávia Moraes. “São mulheres que muitas vezes param as suas vidas para se dedicar aos cuidados dessa criança, que vai virar um adolescente, um adulto que, mesmo com terapias, não evolui no sentido de ter autonomia. É um cuidado que, muitas vezes, é para sempre e depende exclusivamente da mãe”, relata.
Cuidar de quem cuida
A série, segundo Flávia Moraes, dá voz a mulheres que desempenham a maternidade atípica de forma admirável, mas ela ressalta que, mais do que palmas, essas mães merecem cuidado e suporte do poder público e da sociedade. “A partir do momento em que essas mulheres que cuidam de pessoas com deficiência forem ouvidas e tiverem suas vozes representadas, um caminho será aberto para planejar programas e políticas públicas que as auxiliem nesse processo de cuidado. O fato é que elas não podem fazer isso sozinhas, como tem acontecido, principalmente em famílias socialmente mais vulneráveis.”
Para Flávia Moraes, o jornalismo tem a obrigação de iluminar problemas pouco percebidos, propondo abordagens sobre questões reais que precisam ser conhecidas. “O quanto as pessoas não sabem? Como é a realidade de uma mulher que tem um filho com deficiência e quanto isso envolve dedicação a mais do que a maternidade típica? Se a maternidade típica representa uma entrega muito grande, na atípica, então, isso se multiplica.”
A jornalista da TV UFMG também defende a adoção de políticas públicas e programas focados no cuidado dessas mulheres, porque elas cuidam durante a vida inteira e, por inúmeras vezes, são esquecidas. O episódio de encerramento da série aborda a necessidade de toda a sociedade se envolver no cuidado de pessoas com deficiência para que as mulheres tenham apoio adequado e melhor qualidade de vida.
Além de apresentar personagens relevantes e histórias emocionantes, as reportagens também mostram ações de pesquisa sobre o tema dentro da Universidade. A série busca compreender como a UFMG e outras instituições públicas de ensino podem colaborar para a discussão sobre o tema e para que essa questão seja mais entendida pela sociedade.
Imaginários e representações
Flávia Moraes é doutoranda no Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação da UFMG, na linha Usuários, gestão do conhecimento e práticas informacionais. Sua tese, que está em fase de desenvolvimento, trata dos imaginários e das representações das pessoas com deficiência por meio de análises de perfis de redes sociais. “Antes, a gente não via uma pessoa com deficiência falando abertamente sobre o tema ou qualquer outro assunto. Nesse sentido, houve avanço nos últimos anos. Não são apenas os influenciadores que falam sobre deficiência, mas também influenciadores de inclusão”, comenta a pesquisadora.
Assim como ela, outras mães transformam a rotina da maternidade atípica em outros tipos de trabalho. Uma das entrevistadas da série é a professora Maria Luiza Nogueira, do Departamento de Psicologia da UFMG. Ela é uma das criadoras do Programa de Atenção Interdisciplinar ao Autismo, o Praia, que atua no acolhimento e suporte às pessoas autistas dentro e fora da Universidade. A partir do diagnóstico do filho, Maria Luiza transformou-se em uma das maiores pesquisadoras sobre o transtorno.
Apesar da solidão e do sofrimento, Flávia Moraes destaca o amor, a dedicação e a transformação encontrada nas protagonistas dessas histórias. Segundo ela, não se trata de romantizar, mas de ressaltar que “muitas dessas mulheres se transformam por esse amor, transformam o cuidado e a dedicação em projetos, em coisas maiores”.
Dias difíceis
Feliz com o reconhecimento, Flávia Moraes conta que a série demandou um intenso trabalho de pesquisa e de apuração, além de grande envolvimento com esse tema tão delicado: “Mesmo sendo uma mãe atípica, vivi dias muito difíceis na hora de finalizar os roteiros, porque são histórias muito intensas. São mulheres que muitas vezes ficam esquecidas na rotina que as engole. Elas se esquecem dos próprios desejos, das próprias vontades, sempre preocupadas com o bem-estar da criança.”
A cerimônia de premiação será realizada no Rio de Janeiro, no dia 5 de novembro, durante o 42º Congresso Brasileiro de Psiquiatria, promovido pela ABP.
A série da TV UFMG figura ao lado de produções vencedoras de veículos de alcance nacional – a Revista Superinteressante, o programa Fantástico, da Rede Globo, a Rádio Band News de Salvador e o site G1, além de um conteúdo produzido por uma influenciadora digital.
Além de Flávia Moraes, responsável pela produção, reportagem e edição de conteúdo, a série contou com o trabalho de Lucas Tunes e Samuel do Vale (imagens), Márcia Botelho (edição de imagens), Isabela Perdigão (videografismo) e Pedro Campos (transporte).
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