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'É preciso sonhar maior, sonhar profundo', propõe Juca Ferreira em conferência na UFMG

Participação do gestor cultural no ciclo de conferências ‘Futuro, essa palavra’ encerrou as comemorações dos 95 anos da Universidade

Terra arrasada. Esse foi o cenário encontrado pela comissão de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva ao ter acesso aos bastidores da atual gestão federal, que se encerra em 31 de dezembro. O diagnóstico foi feito pelo sociólogo Juca Ferreira, integrante da comissão, em conferência ministrada na noite desta segunda-feira, 12, no Conservatório UFMG, no âmbito do ciclo de conferências Futuro, essa palavra. A conferência do ex-ministro da Cultura encerrou as comemorações dos 95 anos da UFMG, completados em setembro último.
 
“Eu digo sem nenhum medo de errar: é impressionante o nível da destruição”, disse Juca no encontro, que tinha como tema os destinos da cultura nacional no Brasil pós-Bolsonaro, reunidos sob o mote “a cultura na retomada da democracia”. “A transição tem revelado um nível consciente, proposital e articulado de destruição do Estado brasileiro – em todas as áreas. É uma mistura de incompetência, de falta de disposição para enfrentar os desafios que o país coloca para quem governa e de intencionalidade de redução, de apequenamento e de abastardamento do Estado brasileiro”, criticou.
 
Além de apontá-lo de forma genérica, Juca deu um exemplo específico desse sucateamento, retomando não apenas os anos de governo de Jair Bolsonaro, mas também os de Michel Temer, gestões que ele considera como de continuidade. “Durante esses anos, os recursos do Ministério da Cultura foram reduzidos em 85%, em cálculo atualizado pelo IPCA. Esses recursos caíram de R$ 241 milhões para R$ 36 milhões. Isso praticamente inviabiliza a cultura no país – e essa era a intenção: inviabilizar toda a presença e participação do Estado nacional no desenvolvimento cultural”, disse o conferencista.

Estado falimentar
Segundo Juca, instituições como a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Fundação Cultural Palmares e a Fundação Nacional de Artes (Funarte) estão em estado falimentar. “Se não houver investimento pesado na reconstrução desses órgãos, vamos ficar carregando sacos de pedra, pois não haverá mais finalidade nenhuma”, disse, reafirmando a sua percepção de uma destruição não apenas por incompetência, mas também por intencionalidade. “Quando chegaram os dados, e nós fizemos uma leitura coletiva, eu tive a noção clara do lado consciente desse processo de destruição”, reiterou.
 
Em outro momento de sua fala, Juca Ferreira fez uma provocação ao campo democrático, afirmando que a extrema direita talvez tenha compreendido melhor a importância central da cultura nos processos de transformação da sociedade, dada a guerra cultural que ironicamente trava contra o setor cultural. “Nesse sentido, é preciso reconhecer que há dois projetos disputando o Brasil”, demarcou, pensando esses dois projetos como duas culturas. De um lado, estaria um projeto que tem em vista “o direito à felicidade, à alegria” e a toda uma gama de direitos que se engatam nessa perspectiva, como o direito a um tratamento igualitário, com respeito à diversidade. Do outro, definiu Juca, estão “eles, defensores da violência como linguagem”.
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Economia da cultura
Em sua conferência, Juca também fez uma introdução à discussão que promove no livro Mundos possíveis: culturas em pensamento sobre o tema da economia da cultura. Organizado por Fernando Mencarelli e Mônica Medeiros Ribeiro, pró-reitor e pró-reitora adjunta de Cultura, e lançado no evento que abrigou a conferência do ex-ministro, o livro pode ser adquirido pelo site da Editora UFMG.

“O tema da economia da cultura vem crescendo no Brasil, mas vem crescendo dentro do mesmo escopo em que o Brasil trata as demais economias, isto é, como se fossem algo desconectado da sociedade”, afirmou o conferencista. “É meio que uma tradição extrativista: falamos de lucro, de negócios, mas sem perceber que o objeto da economia cultural é algo muito sensível e delicado – a ‘dimensão simbólica da sociedade’, com seus produtos e processos”, justificou.

altJuca salientou que seu artigo busca justamente debater as relações inerentes a essa dimensão simbólica, tendo como conceitos norteadores as noções de “valor de uso” e “valor de troca” desses produtos culturais. “Essa reflexão precisa ser aprofundada, para que essa economia não signifique a banalização de uma dimensão que é tão estratégica para o país”, clamou. “No campo cultural, é preciso sonhar maior, sonhar profundo”, ele disse, convocando o setor à esperança por uma efetiva inflexão no processo de desmonte descrito.
 

Por fim, Juca ainda defendeu que a gestão cultural feita pelo setor político se valha, por regra, do saber estabelecido pelas universidades – do contrário, esse setor será incapaz de trabalhar conceitualmente a realidade prática do campo da cultura. “É muito importante a contribuição que a universidade pode oferecer como retaguarda conceitual, de estabelecimento de parâmetros para as estratégias culturais do país. Quem está na operação dificilmente tem condições de resolver todos os problemas conceituais que a prática cultural vai criando. Nesse sentido, a gestão cultural, para ter qualidade, precisa estabelecer vínculos com as universidades”, disse.

Esperança crescente
Juca foi recebido na UFMG pela reitora Sandra Regina Goulart Almeida, pelo vice-reitor, Alessandro Moreira, e pelos pró-reitores de Cultura Fernando Mencarelli e Mônica Ribeiro. Em seu pronunciamento, Sandra Goulart afirmou que o encontro com o sociólogo para a conferência – que integra série sob o mote Futuro, essa palavra – reitera o sentimento de esperança que vem crescendo neste fim de ano no país. “Esperança de um mundo melhor e de um maior reconhecimento do papel das universidades públicas na construção do futuro”, disse a reitora.

Sandra destacou o alinhamento da universidade brasileira, em particular a UFMG, com a ideia de país delineada por Juca Ferreira em sua conferência. “A universidade sempre foi fiel a esse projeto de nação que Juca mencionou: um projeto cujos valores são a democracia, a liberdade de expressão, a laicidade, a igualdade, a diversidade. Francisco Mendes Pimentel, nosso primeiro reitor, disse: ‘a Universidade jamais será cúmplice de tiranias’. De fato, ela nunca foi e nunca será”, garantiu a reitora.

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Entrevista/Juca Ferreira
 
'Novo governo terá um trabalho enorme para reconstruir as instituições culturais'

Sociólogo de formação, Juca Ferreira teve sua trajetória profissional dedicada à vida política e às ações culturais e ambientais. Por mais de cinco anos foi secretário executivo durante a gestão de Gilberto Gil no Ministério da Cultura. Em 2008, assumiu o cargo de ministro de Estado da Cultura e permaneceu à frente do MinC até 2011. Mais tarde, entre 2015 e maio de 2016, chegou a ser reconduzido ao cargo. Antes disso, o sociólogo já havia sido secretário de Cultura do município de São Paulo, cargo que, mais tarde, também ocupou em Belo Horizonte, mantendo forte articulação com a UFMG.
 
Após o evento, o Portal UFMG fez três perguntas para Juca Ferreira que tomaram como ponto de partida seu trabalho como integrante da equipe de transição do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Na entrevista, realizada em meio à sessão de autógrafos do livro Mundos possíveis, Juca falou sobre as suas expectativas para a gestão do Ministério da Cultura que será assumida pela cantora Margareth Menezes, ela também integrante da equipe de transição no grupo de trabalho de Cultura.
 
Nos últimos dias, o nome de Margareth vinha sendo ventilado pela imprensa para a pasta, mas, no momento da conversa com Juca, realizada na noite de segunda-feira, 12, ela ainda não tinha se pronunciado sobre o convite. Nesta terça-feira, 13, depois de se reunir com o presidente eleito, a cantora baiana concedeu entrevista no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, onde atua a equipe de transição de governo, informando ter aceitado o trabalho.

altPortal UFMG – Como o grupo de trabalho da equipe de transição tem encarado as demandas do campo da cultura em face das restrições orçamentárias que estão postas para 2023 e nos anos seguintes? Há saídas em estudo para esses entraves?
 
Juca Ferreira: O trabalho da comissão de transição está revelando um nível de destruição assustador. O novo governo terá um trabalho enorme para reconstituir as instituições, as políticas culturais, os serviços, porque, em muitos aspectos, a destruição se deu por meio de instrumentos infralegais, como decretos e portarias. E não basta revogar essas portarias e decretos; é preciso reconstituir o arcabouço legal que favoreça o funcionamento do setor cultural público. Isso vai dar trabalho.
 
Portal UFMG – Parece um trabalho que levará tempo para ser realizado; ao mesmo tempo, as demandas do setor são urgentes, se lembramos os exemplos que o senhor deu em sua palestra, como o sucateamento de instituições como a Funarte, a Ancine e a Fundação Palmares. Como o novo governo deverá lidar com esse “cobertor curto”?
Juca Ferreira: Será preciso que a nova equipe se dedique a reconstituir a estrutura e, ao mesmo tempo, já vá prestando o serviço à sociedade, já vá estruturando editais, já vá estruturando políticas. Vai ser um esforço.
 
Portal UFMG – Qual é sua opinião sobre a escolha de Margareth Menezes para o comando do Ministério da Cultura neste momento de retomada da democracia no Brasil? Que possibilidades despontam dessa escolha?
Juca Ferreira: Eu conheço Margareth há 42 anos. É uma pessoa de valor. Ela não é apenas uma cantora de axé, é uma cantora baiana, que reflete a cultura popular baiana e o carnaval da Bahia. A escolha dela se deve à força simbólica que ela pode ter e pode emprestar para o alavancamento das políticas culturais e das instituições. Eu declarei apoio a ela pela internet.

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Ewerton Martins Ribeiro

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