REVISTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Ano 10 - Número 19 - maio de 2012

A escola pataxó Muã Mimatxi*

KANATYO, SARAH, SIWÊ, DUTERAN, LIÇA E CLOVES**

Kanatyo, Sarah, Siwê, Duteran, Liça E Cloves
A escola pataxó Muã Mimatxi*

A nossa escola foi criada no centro da família, por isso, ela é uma grande casa de referência para todos da comunidade. As famílias e a comunidade são a cabeça e o coração da nossa escola. Por isso, tem de ser ferramenta de serventia para caminhar lado a lado com a comunidade.

A nossa escola é o lugar onde a comunidade busca dialogar com os temas que estão relacionados à sua vida dentro e fora da aldeia. Ela serve como base de instrução e orientação para ajudar a pensar o que é importante e fundamental para a vida da comunidade. Então, a escola tem o papel de circular dentro da aldeia. Se a comunidade não vai até a escola, por dever, a escola terá que ir até a comunidade.

A escola é um bem social, cultural, e deve estar atenta para não perder de vista os interesses coletivos que garantem e fortalecem a boa convivência, o espírito associativo e cooperativo entre todos da aldeia. Dessa forma, a escola e a comunidade pensam, juntos, o seu plano de vida. A partir do plano de vida da comunidade, apontamos aqui alguns aspectos de fundamental importância para o desenvolvimento sociocultural e bem comum de todos.

Dentro deste plano de vida, queremos fortalecer a nossa medicina tradicional; desenvolver as experiências de como o nosso povo cuidava e trabalhava com a terra, de uma forma equilibrada, sem ganância e usura; desenvolver e incentivar projetos de artes (música, pintura, jogos e brincadeiras); implantar projetos de educação ambiental no entorno da aldeia (plantação de mudas frutíferas, entre outros); produzir material didático próprio (vídeo, cartaz, CDs, livros, jogos etc.).

A nossa escola é um espaço para trabalhar tudo isso, pois já temos 10 anos de experiência com a educação de nosso povo. Conversando esse tempo todo com a nossa comunidade, percebemos que a nossa educação está enraizada na terra; é através desse trabalho que tratamos da nossa cultura, das artes, da nossa língua, do meio ambiente, da saúde e dos nossos direitos.

Estamos preparando o futuro da nossa gente. Queremos ensinar aos nossos filhos a cuidar da sobrevivência da nossa cultura, da nossa vida e da nossa terra. Queremos trabalhar por uma saúde melhor; assim teremos mais disposição para aprender, ensinar e lutar por nossos direitos.

Queremos uma ESCOLA VIVA e assim estamos fazendo através do levantamento dos tempos em nossa aldeia e do calendário etnoambiental. Já faz alguns anos que vivenciamos essa experiência e a achamos muito boa. Todos participaram e nossa escola ficou mais viva e com muito movimento.

Muitas coisas ainda estão faltando, como o apoio e as informações sobre o mundo do não índio. Queremos compartilhar essa ideia com pessoas e entidades que lutam e defendem um ambiente sadio em que todos poderão viver com mais força e saúde. Para nós, povos indígenas, a saúde está ligada à terra. É fazer ouvir a voz da natureza. Nosso povo está na Terra de Itapecerica e estamos construindo um novo modo de viver. Estamos tentando mostrar que as aldeias têm que ser reconhecidas, que as pequenas aldeias devem interagir com os povos de outras etnias. A saúde começa e não tem fim.

A visão de saúde para os pataxós está ligada a três mundos: o vegetal, o animal e o mineral. A gente está neste ciclo e devemos pedir ao espírito, ao dono da árvore, licença para tirar a planta. Grande profundidade de princípio está ligada à natureza. A vida nossa começa no mar, tudo vai para o mar. As estrelas, o caminho das águas, o sol, tudo tem o saber. A cura viaja pelo caminho do sol e da lua. A folha e a casca têm que procurar o caminho da lua e do sol. Se você não tirar assim não vai ter cura. A árvore passa a ser nossa irmã quando ela cura, a gente passa a ter a seiva da árvore. A árvore passa a ser parente da gente, passa a ser nossa irmã.

O filho quando precisa da planta é como madrinha. Neste mundo das plantas, a saúde é você estar em equilíbrio com os três mundos. Quando se agride um animal, se agride uma planta, talvez você possa se agredir de uma forma diferente. Você tem que saber! É o espírito que liberta a gente das coisas. A saúde da gente está ligada à natureza, nós reencontramos o nosso espírito na Terra de Itapecerica.

Aqui sempre buscamos interagir o conhecimento do nosso povo com o conhecimento de fora, por isso sempre estamos “com um pé” na aldeia e outro no mundo. Assim a gente compreende mais a vida dos nossos velhos, o presente e traçamos o nosso futuro. Com esse trabalho, os velhos são os nossos guias.

Os nossos velhos dizem que o sonho é sagrado. Um sonho veio nos visitar e trouxe uma pena. Essa pena é a nossa liberdade de voar espiritualmente. O sonho nos fortalece e nos ensina a viajar e a trabalhar. Então, estamos fazendo tudo isso juntos, a viagem dos sonhos e a outra viagem que é a pesquisa com o nosso povo e com outros saberes de outros povos, através dos livros, vídeos etc.

A gente fica alegre da escola estar trabalhando com todo mundo, ajudando a conhecer melhor esse pedaço de terra onde vivemos hoje, ajudando a definir os principais problemas ambientais e a encontrar soluções para trazer de volta a vida para todos os viventes e espécies de nossa terra.

Assim, a escola indígena Pataxó da aldeia Muã Mimatxi tem como princípios:

  • A vida da nossa comunidade com a terra, as experiências das famílias com os vários momentos de suas trajetórias e as histórias individuais e coletivas;
  • O fortalecimento da nossa cultura e tradição, os nossos métodos de ensino e aprendizagem, nossa medicina tradicional, a vida do nosso ambiente, a oralidade dentro da aldeia e a escrita, as relações entre os humanos e a natureza;
  • A valorização das artes como forma de expressão da nossa comunidade, de incentivar a criatividade dos jovens e das crianças e a escola ser um instrumento de defesa da comunidade;
  • O diálogo intercultural;

Não somos só nós que queremos melhorar; pensamos na vida de todos. Aqui a gente ainda vê algum tucano. Ele fica olhando e falando com a gente, mas não tem comida para ele, então ele vai e volta, vai e volta. Por isso queremos continuar este trabalho da agenda ambiental na escola.

Que o espaço da escola seja de trocas, diálogo e reciprocidade.

*Parte do texto “Diálogo dos Saberes: Pedagogia da lente do nosso olhar e as mãos da natureza”, resultado de discussões, estudos, reflexões e vivências dos alunos do curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei), da Faculdade de Educação.

**Professores indígenas da aldeia pataxó Muã Mimatxi, localizada em Itapecerica (MG).

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