REVISTA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Ano 12 - Número 20 - abril de 2013

perfil Fernando Correia Dias

O intelectual generoso

PAULA ALKMIM

Acervo de família
Fernando Correia Dias

Pode parecer uma quase coincidência numerológica, mas o fato de o professor Fernando Correia Dias ter morrido no dia 8 de setembro de 2012, aos 86 anos, exatamente um dia depois do aniversário de 85 anos da UFMG, diz muito sobre sua figura. É dele uma das principais obras sobre a história da instituição. O livro Universidade Federal de Minas Gerais - Projeto intelectual e político (Editora UFMG, 1997) é fruto do Projeto UFMG: Memória & História, no marco das comemorações dos 70 anos da Instituição e dos 100 anos de Belo Horizonte.

Advogado, jornalista, professor, sociólogo, ensaísta e até poeta. Várias eram as facetas de Correia Dias. Considerado um dos pioneiros na área de Sociologia da Cultura, toda a sua formação se deu na UFMG: as graduações em Direito (1951) e Sociologia e Política (1957) e o doutorado em Ciências Sociais (1969), em que analisou o modernismo literário em Minas Gerais. Tornou-se professor em 1962, dando aulas nas faculdades de Ciências Econômicas e de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. Antes, de 1949 a 1964, havia trabalhado como jornalista na Folha de Minas.

A professora emérita da Fafich Maria Efigênia Lage de Resende, que trabalhou com Correia Dias no Projeto UFMG: Memória & História, afirma que o livro escrito pelo sociólogo é um “cartão de visitas da Universidade”, além de “importante fonte de memória institucional”. A obra aborda o projeto de criação da Universidade de Minas Gerais (UMG) nas quatro primeiras décadas do século 20 – o nome Universidade Federal de Minas Gerais só seria adotado em 1965.

“O texto que ele constrói sobre a UFMG é uma derivação do trabalho que já vinha fazendo no universo da pesquisa em Minas, das raízes do estado ao seu presente, passando pela sociologia e a história da cultura, literatura, barroco, educação e pela Inconfidência como projeção da temática republicana. É nesse contexto que ele faz essa obra fundacional para a história da Universidade. Tudo tratado com muita responsabilidade, sensibilidade e embasamento teórico”, destaca a professora Maria Efigênia.

Tutor

Assistente de pesquisa à época, a restauradora de bens móveis Blanche Thais Porto de Matos – a quem o autor presta agradecimentos no livro – lembra-se, com saudades, da experiência: “Ele foi um tutor intelectual, uma figura hoje rara na Universidade. É aquele que oferece para o aluno, o estagiário, o assistente, todas as possibilidades. Quando trabalhei com o Fernando estava no início do meu curso de Letras e não tinha noção do que era ser auxiliar de pesquisa. A bolsa era pequena, mas a experiência não teve preço. Graças a esse trabalho, após me formar em Letras, me especializei na área de preservação de documentos”.

Blanche se recorda ainda das orientações minuciosas dadas pelo sociólogo: “Ele me mandava todo o roteiro que eu tinha que seguir por cartas datilografadas ou manuscritas. Se ele me pedia para ir ao arquivo público, só de me apresentar como auxiliar do Fernando, as pessoas já me abriam todas as portas. Ele era uma pessoa tão simples que eu não imaginava que fosse aquela sumidade”.

A troca de correspondências, mais que ferramenta de trabalho, foi um dos hobbies mantidos por Correia Dias até o fim da vida. “Ele até tentou a informática, mas não tinha habilidade. A coisa que mais apreciava era ir até a caixa de correio receber carta dos filhos e dos amigos”, conta a filha Angela Alvares Correia Dias, que, seguindo os passos do pai, se tornou professora da Universidade de Brasília (UnB). Além de Angela, Correia Dias teve outros cinco filhos, seis netos e um bisneto.

Na capital federal

Sem nunca desligar-se completamente da UFMG e de Minas, em 1969, o professor transferiu-se para a UnB, convidado para consolidar o curso de Sociologia. Lá, foi um dos fundadores da Associação de Docentes e um dos primeiros a contestar o autoritarismo que reinou na instituição durante a ditadura militar, especialmente no Reitorado do capitão de mar-e-guerra José Carlos de Almeida Azevedo, em 1976. Em 1989, seis anos após a aposentadoria, recebeu o título de professor emérito da Universidade.

Esse, aliás, foi só um dos títulos conquistados por Fernando Correia Dias, o primeiro sociólogo brasileiro agraciado com o Prêmio Florestan Fernandes, criado em 2003. Ele também recebeu o prêmio de monografias Grandes Educadores Brasileiros, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), com trabalho sobre o educador Firmino Costa, e, em 1966, venceu o Prêmio Othon Lynch Bezerra de Melo, da Academia Mineira de Letras, concedido ao livro João Alphonsus: tempo e modo, publicado pelo Centro de Estudos Mineiros em 1965.

Entre outras publicações, Correia Dias escreveu O movimento modernista em Minas: uma interpretação sociológica (Editora da Universidade de Brasília, 1971); A imagem de Minas (Imprensa Oficial de Minas Gerais, 1971) e Construção do sistema universitário no Brasil: memória histórica do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras (Crub, 1989).

Acervo de família
Fernando Correia Dias

Minas: mais que um objeto de estudo

“Mineiro/proviciano
Luso/mineiro
Canhestro
Enrustido
Um pouco rústico.
Nostalgia da roça
Olhos cansados de ver
Lá fora à distância”

Nesse trecho do poema intitulado Retícula para autorretrato, o próprio Fernando Correia Dias descreve um de seus traços mais marcantes: a mineiridade. Para ele, Minas sempre foi mais que um objeto de estudo, era também um objeto de afeto, uma maneira de ser. Quem o conheceu não hesita em destacar de imediato: Correia Dias era um sujeito calado, discreto e extremamente sábio – mesmo no silêncio.

Na biblioteca, as estantes também denunciam sua mineiridade, com destaque para três autores: Carlos Drummond de Andrade, Cyro dos Anjos e Pedro Nava. O ex-diretor do Centro de Estudos Mineiros da UFMG era um sujeito “tímido, formal, afetivo, mas contido”, nas palavras de Blanche Matos. “Ao longo de seus 86 anos de vida, nunca vi meu pai falar mal de ninguém. Sua abertura à diferença era uma coisa impressionante. Ele era um grande educador, um formador”, testemunha a filha Angela.

Orientado por Correia Dias no mestrado em Sociologia na UFMG, o professor Elton Antunes, do Departamento de Comunicação, destaca sua generosidade: “Já aposentado, com carreira reconhecida e de grande brilho, recebia um aluno confuso, de outra área e desconhecedor de muita coisa a que ele dedicara a vida estudando. Não apenas me apresentou toda essa trajetória, como ao se debruçar com cuidado sobre esse material, sugerir perspectivas de estudo, propor mais e mais leituras, me mostrou o valor que dedicava ao trabalho de reflexão, ao estudo permanente, à aprendizagem contínua”.

A generosidade desse mineiro de Três Pontas, que lia pelo menos quatro jornais todos os dias, também é lembrada por Angela Correia Dias: “Descobri só recentemente em viagem a Minas, depois que ele faleceu, que meu pai tirava dinheiro do bolso para ajudar os estudantes mais carentes a pagar o aluguel, porque ele acreditava no potencial dos seus alunos”.

“Depois de concluído o mestrado, encontrava o professor diversas vezes na Universidade, sempre entrando ou saindo da biblioteca da Fafich. Via-o naquele passinho miúdo, mas sempre tinha dele a imagem de uma presença gigantesca. Cumprimentava-me, perguntava pelas minhas coisas, dizia-me o que andava fazendo. Tinha a sensação dele mais presente do que muitas outras pessoas na Universidade”, recorda Elton Antunes.

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