Cursos da área de educação avaliam impacto da retomada sobre a formação de professores

Para os povos indígenas, a palavra “retomada” tem forte conotação política, pois remete à recuperação de terras, um dos seus direitos fundamentais. No caso da volta das atividades da Formação Intercultural de Educadores Indígenas (Fiei), o termo está associado à garantia da presença dos estudantes indígenas na UFMG e do direito a uma educação diferenciada, como preconiza a Constituição brasileira.

Essa reflexão foi feita pelo professor Paulo Maia, coordenador da Formação, na quarta edição do Fórum on-line do Programa Integração Docente, realizada na tarde desta quarta-feira, dia 8. A série, iniciada no fim de maio, vem promovendo debates sobre os fundamentos do processo de retorno das atividades acadêmicas nos cursos de graduação da UFMG.

Os participantes do evento de ontem projetaram os impactos que essa retomada – que se dará por meio do ensino remoto emergencial – terá sobre os cursos da área de educação, responsável pela formação de professores, e que ostenta  características bem particulares, como a própria capacitação de educadores indígenas ou de trabalhadores no campo, além do curso de pedagogia e das licenciaturas ofertadas pela UFMG.

Na abertura do evento, a pró-reitora de Graduação, Benigna Maria de Oliveira, lembrou que o reinício das atividades acadêmicas nos cursos de graduação deverá ocorrer a partir do dia 3 de agosto, decisão que acelerou as discussões com os colegiados de curso, com os Núcleos Docentes Estruturantes (NDEs), com a representação estudantil e com as diversas instâncias da Universidade. 

“Esse evento ocorre em um momento estratégico. É uma oportunidade para refletirmos sobre os caminhos de ensino-aprendizado que deveremos percorrer, sobre como faremos as avaliações e a própria flexibilização do regime acadêmico para acolher melhor os estudantes”, disse a pró-reitora. Benigna reconheceu que esse é um momento de muitas novidades, o que gera insegurança para todas as partes. “Por isso, devemos trabalhar com o espírito de solidariedade”, afirmou.

Com uma proposta político-pedagógica intercultural, que lida com diferentes campos de saberes e focada nos territórios indígenas, a Fiei é focada em estudantes que vivem em comunidades radicadas em Minas Gerais e na Bahia. “Trabalhamos com um tipo de licenciatura que chamamos de modular ou de alternância”, explicou Paulo Maia.

Assim, as atividades do curso ocorrem tanto na UFMG quanto nos territórios, e isso deve ser levado em conta no planejamento do retorno. Como desafios da sua área, Maia destacou o acesso à infraestrutura tecnológica e a necessidade de buscar soluções coletivas para assegurar a saúde das comunidades. No entanto, o principal obstáculo, em sua avaliação, é o desmonte que vem sendo feito nas políticas de educação em nível federal e, em alguns casos, no âmbito estadual. 

“No caso dos indígenas, esses desmontes estão sendo cada vez mais acentuados”, disse, citando a recente decisão do governo que vetou 16 medidas para o combate à covid-19 em territórios indígenas e quilombolas previstas em projeto de lei aprovado no Senado – uma delas tratava da inclusão digital, além de outras mais imediatas, como fornecimento de água potável, cestas básicas e equipamentos hospitalares.

Também ofertada no regime de alternância, a Licenciatura do Campo (Lecampo) já havia concluído 90% das atividades do chamado tempo-escola – ministradas na Universidade – antes da pandemia ser deflagrada. “Quando a pandemia chegou e demandou atividades não presenciais, esses alunos já estavam no tempo-comunidade, ou seja, em suas casas”, informou o coordenador da formação, professor Luiz Ribeiro.

Apesar dessa contingência favorável, Ribeiro demonstrou preocupação com as condições de conectividade dos alunos do curso. “Talvez só 30% ou 40% tenham meios de participar de lives e atividades a distância”, estimou. Boa parte, conjecturou, deverá ter problemas para fazer a defesa dos TCCs de forma remota.

“Nosso curso não pode ser mais um elemento de promoção da desigualdade social”, afirmou ele, que indicou algumas alternativas emergenciais.  “Vamos começar a oferecer oficinas sobre assuntos que os próprios alunos demandarem. Há, por exemplo, pedidos de oficinas sobre normatização de trabalhos acadêmicos”. afirmou.

Além da técnica

Em sua exposição, a professora Sirleine Brandão, subcoordenadora do colegiado especial das Licenciaturas, traçou um panorama de como as discussões sobre a retomada têm sido travadas na Faculdade de Educação. “As conversas vão além da técnica empregada no ensino de forma remota e passam, também, pelo diálogo sobre algumas necessidades, como a garantia da qualidade de ensino, a equidade de oportunidade no acesso aos meios digitais, a necessidade de atentar para a saúde física e mental das pessoas e o posicionamento político que permeia as reflexões frente às desigualdades na educação brasileira”, destacou ela.

Respaldada por pesquisa realizada na Faculdade de Educação, Sirleine contestou a ideia de que cursos com maior carga teórica sejam mais adaptáveis ao ensino remoto emergencial. O levantamento mostrou, por exemplo, que 41,17% dos professores não têm experiência com ensino a distância e 64% manifestaram que teriam alguma dificuldade para realizar atividades remotas. Em relação aos alunos, 47% declararam alguma ou muita dificuldade para se adaptarem à lógica do ensino remoto.

Cenário indefinido

Coordenador do colegiado do curso de Pedagogia, o professor Paulo Nogueira destacou que, apesar de a UFMG ter buscado se antecipar para estabelecer uma estratégia de oferta de atividades acadêmicas no contexto de pandemia, o cenário ainda é muito indefinido, e boa parte dos ajustes serão feitos durante o processo.

“Do ponto de vista sanitário, teremos uma nova dinâmica que vai alterar profundamente a ideia de escola, de docência e do que sabemos sobre como formar pessoas para atuar na sala de aula”, analisou Nogueira. Segundo ele, uma das dificuldades envolve justamente as disciplinas de estágio, que necessitam que os alunos do curso convivam com o pessoal da educação básica (professores e estudantes).

O fórum também contou com a participação de dois estudantes, que expuseram suas preocupações em relação ao novo cenário. Gabriel Cavalcanti, do oitavo período do curso de licenciatura em Pedagogia e integrante da comissão gestora do Diretório Acadêmico da FaE, alertou para o fato de que a desigualdade brasileira, que se reflete em seu processo educacional, está se radicalizando nesse cenário de pandemia.

“Não podemos ser prejudicados por essas estratégias políticas pensadas dentro de uma crise sanitária mundial. É dever da instituição atender às demandas estudantis”, cobrou. Ele informou que parte dos estudantes não foi alcançada pela consulta feita para identificar condições de estudo fora da Universidade e de acesso digital. “A UFMG deve procurar esses estudantes e pensar alternativas para alcançar esse público”, defendeu Cavalcanti.

Gabriela Arsênio, do quinto período do curso de licenciatura em teatro, fez uma reflexão sobre o ensino remoto emergencial, que, em sua visão, não pode ser tomado como mera solução técnica. “É extremamente prejudicial enxergar essa mudança como uma simples inovação tecnológica, como ‘amplificação da área’”, disse. Ela afirmou que o ERE é uma “medida de necessidade e urgência”, mas advertiu que “as perdas ocorridas nesse processo de transposição para o on-line também precisam ser debatidas”.

A quarta edição do fórum on-line pode ser acessada pelo canal da Coordenadoria de Assuntos Comunitários (CAC) no Youtube ou no site do Programa Integração Docente. A íntegra das edições anteriores, que trataram dos cursos de saúde, de engenharias e exatas e de uma visão geral sobre a retomada também estão disponíveis na plataforma.

(Com Assessoria de Comunicação da Prograd)

Imagem: Raphaella Dias/UFMG