
O uso de inteligência artificial nas atividades cotidianas de ensino e de pesquisa ou nas relações interpessoais, em todo o mundo, têm sido cada vez mais frequente a ponto de se poder afirmar que “esse é um caminho sem volta”. Contudo, os desafios sobre o emprego ético de IA no ensino e na pesquisa são tão grandes e diversos quanto suas próprias possibilidades. Essa foi a avaliação consensual dos pesquisadores de diversas áreas de conhecimento da UFMG que participaram, na manhã de quinta-feira, 16, da segunda edição dos debates promovidos pela Comissão Permanente de Inteligência Artificial.
O seminário sobre inteligência artificial, ética e universidade integrou a programação da Semana do Conhecimento 2025 e reuniu, em duas mesas de debates, professores das áreas de comunicação social, letras, ciência da computação e geociências para tratar de IA no ensino e na pesquisa.

Sobre a utilização de IA no ensino, a professora Geane Alzamora, do Departamento de Comunicação Social da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), citou dados da Pesquisa Internacional sobre Ensino e Aprendizagem (Talis, sigla em inglês) coordenada pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Segundo o estudo, 56% dos professores brasileiros das escolas de ensino fundamental, do 6º ao 9º ano, utilizam IA para atividades didáticas frente a 36% dos professores dos países da OCDE. Geane Alzamora destacou ainda que 77% dos professores brasileiros utilizam a ferramenta para criar planos de aula e atividades didáticas, 64% para ajudar adaptar materiais de aula de acordo com a necessidade de aprendizagem dos alunos, 63% para aprender e resumir um tópico de forma eficiente, 42% para revisar dados sobre participação e desempenho de alunos e 39% para criar textos de comunicações para pais e estudantes. E 36% utilizam IA para avaliar ou corrigir textos dos alunos.
Na avaliação da professora, que coordena o grupo de pesquisa de combate à desinformação na UFMG, “esses dados mostram o tamanho do desafio, porque a maioria dos professores também afirma não ter nenhum letramento em IA para utilizar as ferramentas, em um contexto em que o país tem apenas 60% das crianças alfabetizadas”.
Ela ponderou ainda que tratar sobre letramento em IA para o ensino demanda interdisciplinaridade, uma vez que está em jogo o impacto do uso dessas ferramentas sobre o cognitivo dos usuários, desde a educação infantil ao ensino universitário.

Tecnologia de convivência e inovação
Para o professor Ronaldo Gomes Jr., da Faculdade de Letras (Fale), a visão binária e individual da perspectiva ocidental para autonomia do sujeito e sobre sua responsabilidade interfere no uso ético da IA no ambiente de ensino e aprendizado. Segundo ele, “é preciso mudança de cultura para que o foco na ética parta de uma filosofia do coletivo, da relação com o outro na vida em comunidade”.
“Com essa perspectiva, o conhecimento passa a ser um tecido coletivo e não uma propriedade e ajuda a romper com a lógica da eficiência, do produto, da individualização tão focadas pela IA. Acho possível pensar na IA generativa como tecnologia de convivência e inovação em vez de busca de transferência de informação”, afirmou. Mas, para isso, defendeu, “é preciso haver mudança na estrutura do sistema de ensino para que se torne possível mudar também a avaliação. Deixar de avaliar o produto, o texto, o relatório e avaliar o processo que o antecede”.
No caso das ciências exatas, o professor Marcos Oliveira Prates, do Departamento de Estatística (Dest), do Instituto de Ciências Exatas (ICEx), avalia que a ferramenta tem ampliado as possibilidades de aprendizado em sala de aula, estimulando, inclusive, os estudantes a refletir sobre o uso. “A gente pede um trabalho em que a primeira parte tem que ser feita exclusivamente com uso de IA. Na segunda parte, o estudante precisa corrigir e melhorar o que a ferramenta não deu conta de responder. Assim, eles vão percebendo que o mais importante disso tudo é o pensamento humano, que ele é o grande diferencial que, inclusive, vai justificar a necessidade desse futuro profissional no mercado de trabalho”, relatou.

Para as questões de acessibilidade e inclusão e gameficação no ensino, o professor vê grande potencial da ferramenta, “que também pode ser preditiva e auxiliar na individualização de planos de ensino, aproveitando essa característica”.
Linguagem natural
Na área de pesquisa, observa-se um imenso potencial dos Grandes Modelos de Linguagens (LLMs) para geração de linguagem natural, como explicou a professora Raquel Oliveira Prates, do INCT em Inteligência Artificial Responsável para Linguística Computacional, Tratamento e Disseminação de Informação (INCT TILD-IAR). Segundo ela, estudos realizados no Instituto mostram que os LLMs são utilizados por pesquisadores na definição do objeto de pesquisa, na revisão de literatura, na escrita de projetos para prospecção de financiamento até a coleta, geração e análise de dados. “As questões éticas, no entanto, são as mesmas relatadas em todas as áreas, como a privacidade dos participantes, o excesso de confiança na veracidade, os impactos ambientais e sociais”, ponderou.

Raquel Prates enfatizou, ainda, “a falta de articulação e coordenação nacional sobre as pesquisas em desenvolvimento e os modelos predominantemente em língua inglesa”, que motivaram os pesquisadores do Instituto a se debruçarem sobre esses desafios. “Precisamos compreender a semântica em português, tratar a informação em relação à sobrecarga e filtragem de dados, avaliar a confiabilidade de modelo em linguagem generativa e o combate à desinformação com a inclusão da pluralidade de vozes”.
Soberania energética e inteligência de segurança
Em relação à área de geociências, a utilização de IA também contribui de forma preditiva, segundo o professor Tiago Novo, do Instituto de Geociências (IGC). “A soberania do país em relação à matriz energética e sua capacidade de descarbonização é muito importante para as pesquisas com IA e criação de datas centers. Mas ainda é preciso investir, por exemplo, em mapeamento geológico. Minas Gerais é o único estado com mapeamento geológico completo”, afirmou o professor, que defende IA como aliada das pesquisas que contribuem para a análise preditiva de subsolo e de desmatamento e queimadas.
A professora Michele Nogueira, que representou o INCT IA, analisou os impactos da Inteligência Artificial sobre a segurança cibernética. Segundo ela, o desenvolvimento das máquinas e dos próprios algoritmos a partir da década de 1950 possibilitou o despontar da IA, também favorecida pela ubiquidade proporcionada pelos dispositivos móveis. “Tudo isso e a questão de o Brasil estar entre os cinco países que mais gera e sofre ataques de prishing [golpe cibernético em que criminosos se passam por entidades confiáveis, como bancos ou empresas, para enganar as vítimas e obter dados pessoais e senhas] motivaram a criação do Instituto”, afirmou a professora. Somente em 2023, informou ela, reportando dados da Associação Brasileira de Empresas de Tecnologia da Informação, o país registrou 63 bilhões desse tipo de ataque, com custo médio de R$ 6,75 milhões cada.

Foto: Jebs Lima | UFMG