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Estado de Minas

Objeto de cerâmica indígena achado em sítio vira atração no Museu do Escravo

Urna aratu-sapucaí foi encontrada em 2004 em sítio de Belo Vale. No Museu do Escravo, é base para 'aula' de arqueologia e sobre o processo de restauração


postado em 04/06/2018 06:00 / atualizado em 04/06/2018 07:48

Crianças visitam a urna, que provavelmente foi usada em cerimônia fúnebre, seguindo costume ancestral (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
Crianças visitam a urna, que provavelmente foi usada em cerimônia fúnebre, seguindo costume ancestral (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)

Belo Vale – O Museu do Escravo, atrativo cultural de Belo Vale, na Região Central de Minas, e um dos mais importantes do país nessa temática comemora 30 anos com grande número de estudantes visitando o acervo, programas de extensão a outras áreas do município, além de um presente muito especial. Depois de encontrada em pedaços há 14 anos, em um sítio da região, uma urna de cerâmica indígena foi entregue, totalmente restaurada, ao acervo. “A peça é de grande valor para nosso patrimônio. E se tornou atração turística, pois desde que chegou tem trazido muita gente aqui”, comenta a secretária municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, Eliane dos Santos.


Quem visita o museu pode ver a urna – que, tudo indica, abrigou um ser humano, devido a vestígios de um dente encontrado, conforme explicou Eliane –, além de fotos de todo o processo de restauração realizado pela equipe do Laboratório de Arqueometria e Preservação em Arqueologia (Lapa), criado em 2014 no Museu de História Natural e Jardim Botânico (MHNJB) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.


Para tornar ainda mais ampla a divulgação da peça de 73 centímetros de altura, 66cm de diâmetro e 2cm de espessura, a direção do museu de Belo Vale promove um trabalho educativo, iniciado com os alunos da Escola Municipal Doutor Gama Cerqueira. Eliane conta que a equipamento cultural celebrou três décadas no último dia 13, mas a cerimônia para lembrar a data foi em 19 de maio. Uma missa afro foi rezada às 18h, no salão paroquial ao lado, com a presença do Quilombo Chacrinha e Guarda Moçambique Nossa Senhora do Rosário.


“Recebemos muitas excursões de estudantes e esperamos que esse movimento cresça de agora em diante”, disse a secretária. Durante as festividades, 50 alunos na faixa etária de 8 a 9 anos, da Escola Municipal Maria da Conceição Monteiro de Castro Soares, conheceram a urna. Guiados pela atendente de museu Grasiele Regina Ribeiro e acompanhadas pelas professoras Dirléia Fernandes e Vanuza Aparecida Ribeiro de Morais, as crianças começaram aprendendo sobre os escravos, nas salas de exposição e depois no pátio que tem a recriação do pelourinho. Meninos e meninas viram também objetos de tortura, a exemplo das gargalheiras, máscaras de jejum e troncos coletivos, o que fez Enzo Gabriel Takahashi Almeida, de 8, afirmar que “o sofrimento dos negros devia ser grande”.


Depois, foi a urna indígena que atraiu os olhares de atenção, assim como o cartaz técnico explicando o processo de restauro e como o corpo ficava lá dentro. “Deve ser como o bebê fica na barriga da mamãe”, comparou Estela Tauani Dias da Silva, de 8. A colega Maria Vitória Nunes da Silva Augusto, de 7, também achou curioso. Wederson Gabriel Santos de Oliveira, da mesma idade, acredita que as peças do museu ajudam a entender a história.

PIONEIRO A urna indígena de Belo Vale é o primeiro trabalho desenvolvido no Lapa pela equipe coordenada pela professora da UFMG Yacy-Ara Froner, conservadora-restauradora. Ela explica que, graças ao apoio do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), por meio do promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, então à frente do Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico (CPPC), houve, na época, um repasse de recursos, viabilizado em termo de ajustamento de conduta (TAC) firmado com uma mineradora, por danos ao patrimônio arqueológico.


“Com os recursos, foi possível organizar uma equipe de bolsistas, contratar a restauradora Vânia Rosa como consultora do projeto e comprar equipamentos e materiais necessários para o trabalho, já que o laboratório estava na fase inicial”, conta Yacy-Ara. Do projeto de restauro da urna participou também o estudante de arqueologia Enio Tembe, de Moçambique , que chegou por intermédio do programa Capes Aulp (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-Ministério da Educação/Associação das Universidades de Língua Portuguesa).

HISTÓRIA A urna arqueológica de cerâmica aratu-sapucaí foi encontrada em 2004, no Sítio dos Paivas, na zona rural de Belo Vale, próximo a uma estrada de terra ligando o município a Jeceaba e Entre Rios. Segundo testemunhos, o proprietário estava fazendo um serviço num curso chamado popularmente de “esgotamento de água do brejo”, com maquinário, quando foi detectada a presença da peça, já quebrada.

Diante do achado arqueológico, o proprietário pediu ajuda a um morador da região, Sebastião Rezende, que achou por bem acionar o MPMG – na época, a Coordenadoria das Promotorias de Justiça de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico tinha como titular Marcos Paulo de Souza Miranda, atual promotor de Justiça de Santa Luzia, na Grande BH. Na sequência, foi feita a comunicação à superintendência regional em Minas do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e, de imediato, encaminhadas as peças ao MHNJB, diretamente ao arqueólogo André Prous, hoje professor aposentado do Departamento de Antropologia e Arqueologia da UFMG.


Estudos baseados em relatos anteriores ao século 19 mostram que algumas comunidades indígenas tinham o hábito de sepultar seus mortos em vasos cerâmicos chamados de camucis ou igaçabas, muitos deles encontrados em escavações. Como nos demais rituais, os indígenas eram enterrados com os pertences, como arcos e flechas, e em posição fetal.

Primeiros passos na conservação

Guiados por Grasiele Ribeiro, alunos de escola municipal observam recriação do pelourinho e aprendem sobre passado de sofrimento e luta dos escravos(foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
Guiados por Grasiele Ribeiro, alunos de escola municipal observam recriação do pelourinho e aprendem sobre passado de sofrimento e luta dos escravos (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
O Laboratório de Arqueometria de Preservação em Arqueologia (Lapa) fica na Casa Branca, no Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no Bairro Santa Inês, na Região Nordeste de Belo Horizonte. Nesse espaço, criado há quatro anos, a professora Yacy-Ara Froner mostra peças de cerâmicas, pintadas recentemente e usadas em programas educativos, como ocorreu na Escola Municipal Dr. Gama Cerqueira, de Belo Vale. Da equipe fazem parte a estudante de graduação em arqueologia, Laura Lívia Machado, o estudante de conservação-restauração de bens culturais móveis, da Escola de Belas Artes, Alexandre Oliveira Costa e a técnica de laboratório do MHNJB, Amanda Luzia da Silva.


Yacy-Ara faz questão de destacar as atividades nas escolas, que já beneficiaram centenas de crianças e adolescentes. Os trabalhos educativos na área de extensão, com o nome de Primeiros Passos na Conservação de Bens Arqueológicos, mesclam ensino, oficinas e um sabor de descoberta para os alunos. É que os pedaços de cerâmica pintados são enterrados em caixas de areia e levam os estudantes a simular uma escavação, com posterior limpeza delicada, como ocorre no serviço de especialistas.


Na sala de exposições arqueológica do MHNJB há uma urna indígena semelhante à encontrada em Belo Vale. Foi perto dali que a equipe restaurou a peça de Belo Vale, encontrada em 2004. “Foi exatamente como montar um quebra-cabeças, pedaço por pedaço. Assim, recriamos esse trabalho como os estudantes das escolas”, destaca Yacy-Ara.


A professora explica que o Lapa atua no desenvolvimento de atividades de ensino, pesquisa e extensão no campo da conservação-restauração e dos estudos científicos de acervos arqueológicos, paleontológicos, etnográficos e de cultura popular.


As principais atividades incluem ações preventivas de conservação e interventivas de restauração nas coleções e pesquisas e estudos arqueométricos de acervos. No caso específico da urna, foram feitos ao longo de 10 meses limpeza, montagem da tampa, consolidação, pigmentação, complementação das perdas e apresentação estética. 

Vestígios arqueológicos

Parecer preliminar elaborado por especialistas da Universidade Federal de Minas Gerais aponta a destruição de vestígios arqueológicos das benfeitorias (curral, engenho, moinho e muro de pedra) da Fazenda da Baronesa, do início do século 19, no distrito de São Benedito, em Santa Luzia, na Grande BH. Bem ao lado da antiga propriedade rural, uma construtora ergueu prédios com 420 apartamentos. Preocupada com a situação, a Associação Cultural Comunitária local, em sintonia com a recomendação do Ministério Público à Prefeitura de Santa Luzia, pede o tombamento da área e mobiliza a comunidade com um abaixo-assinado que já recebeu a adesão de centenas de pessoas. O promotor de Justiça da comarca, Marcos Paulo de Souza Miranda, diz que há no município dezenas de grandes empreendimentos imobiliários sem estudos adequados de impacto no trânsito, ambiente e patrimônio cultural. “Estamos tomando medidas judiciais e extrajudiciais para evitar o caos urbano. Tal empreendimento foi feito sem estudos históricos e previsão de medida compensatória”, disse Souza Miranda.

 


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