Volume 12

Editorial:

Depois de uma longa demora podemos apresentar o relatório final das pesquisas realizadas pelo Setor de Arqueologia do Museu de História Natural da UFMG e pela Missão Franco-Brasileira no Grande Abrigo de Santana do Riacho. Uma obra deste porte, dependente de muitas colaborações e de verbas públicas, sempre morosas, não poderia sair rapidamente.
Neste volume (Tomo I) apresentamos as condições ambientais em que o sítio está inserido, a estratigrafia e as análises dos artefatos e dos prováveis vestígios alimentares. O segundo Tomo, no próximo volume que esperamos publicar ainda em 1993, inclui as estruturas de habitação, diversos aspectos ligados a paleoantropologia, apresenta a chamada arte rupestre e insere, na síntese final, o abrigo de Santana no contexto arqueológico regional.
Ficamos felizes em podermos apresentar uma quantidade de informações provavelmente sem paralelo na arqueologia brasileira, tratando-se de um único sítio arqueológico, embora vários aspectos tenham sido ainda insuficientemente pesquisados. É o caso da análise de micro-traços de utilização, que foi aplicada a apenas uma parte da indústria lítica, e também das análises de DNA mitocondrial dos esqueletos, ainda em fase inicial e que serão publicadas mais tarde.
Alguns leitores talvez questionem a validade de se investir tanto no estudo de um único sítio, quando a moda é “tratar problemas” e não monografias descritivas. A isto responderemos com dois argumentos. O primeiro é que não se discute problemas sem que se disponha de uma sólida base de conhecimento e que não adianta realizar síntese enquanto não houver análise. O abrigo de Santana do Riacho em si tornar-se-á um sítio de referência pela riqueza de informações que proporcionou, permitindo tanto comparações quanto questionamentos. Infelizmente, as monografias descritivas são ainda muito raras na arqueologia brasileira. O segundo argumento é que as escavações e a análise do material não foram realizadas como um fim em si, mas justamente como um meio de abordar a pré-história do centro mineiro, aproveitando-se ao máximo as oportunidades oferecidas pelo próprio sítio, cujo estudo permitiu testar várias técnicas novas.
Procuramos evitar discursos tão vazios quanto pretensiosos, limitando-nos ao que era possível documentar na fase atual dos conhecimentos. Por exemplo: não se procurou determinar a “capacidade de carga” do território (qual na verdade?) porque na medida em que não se conhece a biomassa atual, menos ainda se pode deduzir a do passado. Isto não impede, é claro, de tentar com nossos colegas biólogos, montar programas de pesquisa neste sentido.
Os elementos de demografia apresentados também deixam claro o limite das interpretações possíveis. Esta cautela não impediu o exercício do raciocínio e até propostas interpretativas por vezes arriscadas, mas, pelo menos, tentamos sempre deixar claro o que parecia comprovado e o que eram apenas interpretações verossímeis.
Muito mais poderia ser publicado – e ainda será publicado – do material coletado. Sem dúvida poderíamos ter resgatado mais informações neste sítio onde fizemos nossa primeira experiência como responsáveis de um sítio grande e complexo. O importante é que aprendemos com os nossos erros e que divulgamos amplamente, não apenas conclusões mas o próprio material, fazendo com que os nossos colegas possam discutir os dados e as interpretações que fizemos.
A publicação do Grande Abrigo não significa o fim das pesquisas na região: mais de 20 sítios da Serra do Cipó estão sendo estudados, e pretendemos nos esforçar para encontrar um número maior de sítios abertos que possam documentar atividades complementares que foram registradas nos abrigos, que dominam no registro arqueológico, mas que não foram, com certeza, os locais mais frequentados no dia-a-dia dos homens pré-históricos.
Queremos também deixar aqui registrado os nossos agradecimentos a todos que nos ajudaram ou participaram dos nossos esforços: a equipe de escavação, companheiros da primeira hora em Minas Gerais; o Diretor da Companhia Industrial Belo Horizonte, Dr. Leonardo Bahia Machado e os responsáveis pela Usina Coronel Américo Teixeira, engenhe iro Roberto Avelar e o encarregado Cecília Sabino, entre outros, que nos receberam e ajudaram com tanta gentileza. Lembramos o apoio sempre vigoroso e eficaz de dois Diretores do Museu de História Natural, Dr. Wilson Mayrink e Dr. Wolney Lobato; a dedicação dos motoristas e companheiros João Bárbara Filho e Sebastião Pinto, responsáveis também pelo “setor de engenharia” da equipe.
O financiamento dos trabalhos de escavação foi assegurado pelo CPq (mais tarde PRPq) da UFMG; o levantamento e a análise das pinturas rupestres, os estudos de traceologia e antropobiologia foram custeados pela Mission Archéologique Française du Minas Gerais. Vários bolsistas de iniciação científica e aperfeiçoamento do CNPq participaram dos trabalhos de coleta e realizaram análises de material arqueológico.
Obrigado, sobretudo, aos homens pré-históricos de Santana, mercê aos quais vivemos a felicidade de sermos arqueólogos no quadro maravilhoso do Grande Abrigo, que eles também amaram. Que nos perdoem por termos perturbado seu descanso, trazendo-os de volta para este mundo atribulado. Será que os arqueólogos gostariam de ter seus túmulos violados por estranhos?

ANDRÉ PROUS
Belo Horizonte, 1992.


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