“Cada moradia deveria ser arquitetada com material local, essa é uma primeira grande questão. Todo bioma, todo ambiente, todo lugar nos oferta as condições para viver ali.” (Bispo, 2023: 37-38).
A frase do livro “A terra dá, a terra quer”, do filósofo quilombola Nego Bispo, sintetiza perfeitamente o tema da arquitetura vernacular, que consiste no uso de saberes tradicionais e materiais locais para a construção de habitações. Esse tipo de construção pode ser encontrada no mundo todo, em diferentes biomas, e com os povos indígenas aqui no Brasil não seria diferente. As casas indígenas, apesar de se diferenciarem em todo o país (devido às variações culturais e condições climáticas), possuem semelhanças, como a presença de grande espaço sem divisórias, estruturas de madeira e coberturas de palha.
De cima para baixo, as imagens demonstram uma casa comunal do povo Yawalapiti; casa do povo Xavante e casa tradicional do povo Tuyuka. (Créditos: Mirim).
A ausência de um engenheiro ou arquiteto por trás do projeto (característica importante na arquitetura vernacular) não impediu que essas técnicas seculares tivessem um ótimo desempenho em sua função, sustentabilidade e conforto. E é exatamente esse tópico que é estudado no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Tecnologias Indígenas (Tecnoíndia), da Universidade Federal do Mato Grosso. Os professores José Afonso Portocarrero e Maria Fátima Machado criaram o Núcleo com o objetivo de lançar “um olhar sobre a capacidade de povos indígenas de produzir conhecimento e tecnologia”, como ressalta Machado.
“O desenho das casas indígenas não pode ser considerado como uma coisa que já passou, que não interessa… ele interessa e é muito importante. Respeitá-las, ver o valor e aprender com elas. Exatamente nesse momento em que a gente fala tanto de tecnologia, de avanço, de inovação, muitas vezes há um excesso de uso dessa tecnologia, que é cara também, que custa energia, enquanto as moradias ancestrais utilizam apenas energia natural. O vento, a insolação, enfim, é esse desenho que a casa indígena traz para a gente nesse mundo contemporâneo”, conta Portocarrero em entrevista para o programa UFMT Ciência.
Estudo de campo em uma hatí, casa tradicional do povo Paresí-Haliti. (Créditos: Tecnoíndia).
Juntamente com Jucimar Ipaikire, primeiro indígena a se formar em arquitetura, as pesquisas do Tecnoíndia já permitiram a construção de diversos projetos inspirados nas habitações indígenas e no seu desempenho, como o próprio espaço do Núcleo na UFMT e o Centro Sebrae de Sustentabilidade no Mato Grosso (CSS). Jucimar Ipaikire é um colaborador voluntário do Núcleo de Pesquisas Tecnoíndia há vários anos, confeccionando maquetes de habitações de várias etnias de Mato Grosso. Ele é descendente dos antigos Bakairi do Xingu e nasceu na aldeia Pakuera, no município de Paranatinga (MT), onde mantém fortes vínculos familiares.