E
as flores?
O livro do "Cântico
dos cânticos" de Salomão é
considerado, teologicamente, uma alegoria da íntima
relação espiritual de Jesus Cristo (o
Esposo) com a sua Igreja (a Esposa). No início
do capítulo 2, a Igreja se antoconceitua com
a metáfora "Eu sou o lírio dos
vales". Sendo Cristo o cabeça desse organismo
espiritual, Ele participa metonimicamente desse conceito.
O que se confirma na referência poética,feita
pela Esposa: "os seus lábios são
lírios / que gotejam mirra preciosa."
(Cânt., V: 13b). E aqui se faz de considerável
importância o verbete enciclopédico de
Al Van Born, conforme o qual a palavra lírio
- šušam, em hebraico, não significa apenas
o lírio propriamente dito. É também
nome coletivo de diversas espécies de flores
do campo. Desse modo, as "Flores", que fecham
a seqüência temática da coletânea,
não poderiam ser uma evocação
do "Lírio dos vales" - Jesus Cristo
- como a esperança multicolorida (para todas
as raças e etnias, tribos, nações
e línguas), a esperança terna e linda,
aliviante compensação estética
e espiritual - florescendo sobre os escombros? Afinal,
dele se tem a promessa de realização
do último e maior ato de reciclagem - a "ressurreição
da carne":
Quem comer a minha carne
e beber o meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei
no último dia (S. Jó., VI, 54).
Assim, a atividade colecionista
de Mabe Bethônico propõe-se-nos como
representativa de uma arte - a de nossos dias, que,
dê-se conta ou não, está fazendo
uso da função poética da linguagem,
em seus diferentes códigos, para desempenhar
o papel do vate: neste caso, o de prenunciar o tempo
pós-escatológico, ou cosmogônico,
de ação do sumo. Reciclador, Jesus.
|