Universidade Federal de Minas Gerais

Gene associado ao consumo abusivo de álcool é identificado por grupo de pesquisa da UFMG

25 de agosto de 2016

Boletim UFMG (http://bit.ly/2bQV7og)

Equipe do Laboratório de Genética Animal e Humana, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (ICB), coordenada pela professora Ana Lúcia Brunialti Godard, identificou, em cérebros de camundongos, um gene que pode indicar predisposição ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas: o Lrrk2, responsável por regular os outros genes da via biológica de mesmo nome. "Até então, era conhecida apenas sua relação com a doença de Parkinson", informa a pesquisadora.

Ana Lúcia Brunialti Godard conta que optou por uma abordagem direcionada. "Escolhemos uma via biológica específica (cada uma é composta de determinados genes, com funções distintas), e não nos interessava, desde o início, trabalhar com vias já relacionadas ao álcool. Por isso, procuramos uma rota cuja relação com o alcoolismo ainda não havia sido detectada", afirma a professora do Departamento de Biologia Geral do ICB.

Mesmo que a predisposição genética para o alcoolismo já tenha sido demonstrada, Ana Godard explica que nem todos os genes envolvidos foram identificados. "A busca por genes cuja relação com o alcoolismo seja ainda desconhecida é o que motivou nossa investigação", afirma.

Durante 16 semanas, a equipe coordenada pela pesquisadora expôs 80 camundongos a um modelo de livre escolha entre três soluções, uma com água e duas com níveis diferentes de concentração alcoólica (5% e 10%). O modelo foi dividido em quatro fases: de aquisição, com animais expostos às soluções; de abstinência, quando as opções alcoólicas foram retiradas; de reapresentação, quando a bebida foi oferecida novamente a esses animais, e de adulteração com quinino (substância de gosto amargo).

Após esse período, os animais foram classificados em três grupos. "O primeiro grupo foi denominado leve, com animais que preferiram a água durante todo o experimento. No segundo grupo, chamado de pesado, foram classificados os animais cuja preferência pelo etanol sofreu redução significativa no consumo após adulteração da bebida. Nos animais do terceiro grupo, descrito como inflexível, a preferência pelo etanol e o consumo excessivo se mantiveram mesmo após a adulteração da solução etílica", explica Ana Lúcia Godard.

Em seguida, os pesquisadores utilizaram o estriado (parte do cérebro responsável pelos mecanismos de reforço positivo e formação de hábito) de camundongos para identificar o que há de diferente no RNA de animais dependentes (grupo inflexível) e não dependentes (grupo leve) de álcool.

"O mapeamento do cérebro dos animais desses dois grupos resultou na descoberta de 1.127 genes diferencialmente transcritos entre o grupo dependente e o que não gostava de álcool. Desses genes, 615 se apresentaram hiper-regulados, e 512, hiporregulados", contextualiza Ana Godard.

A pesquisadora destaca que diversos genes constituintes da via Lrrk2 estavam desregulados entre os diferentes grupos de animais. "No entanto, somente o gene Lrrk2, regulador da via, mostrou-se hiper-regulado apenas nos animais do grupo inflexível", explica Godard. "Esses dados corroboram o gene Lrrk2 (ou seu produto proteico) como importante substrato molecular responsável pela consolidação do consumo compulsivo e sem controle de etanol", afirma.


Sistema de recompensa

Ana Lúcia Brunialti Godard explica que há regiões e sub-regiões do cérebro e do sistema nervoso central de humanos que compõem uma área chamada sistema de recompensa. "Qual é a ideia por trás disso? Nosso contato inicial com o álcool, em geral, se dá em situações prazerosas, como encontros de família e amigos. E o nosso cérebro reconhece esse prazer", destaca.

Godard afirma ainda que, à medida que o uso do álcool se repete, há um reforço positivo desse prazer. "Uma boa parte dos indivíduos permanece ali: no reforço positivo e no uso controlado, porém outra parte passa a procurar cada vez mais o álcool, e começa a haver um reforço negativo no cérebro", explica.

A professora lembra que já foram comprovadas alterações morfológicas dos neurônios em resposta a esse estímulo negativo. "No reforço positivo, a pessoa identifica no álcool a sensação de prazer; no negativo, o indivíduo sente a necessidade do álcool pra cessar algum desconforto", alerta.

Ana Lúcia Brunialti Godard, que também coordena o Programa de Pós-graduação em Genética do ICB, explica que, desde 2008, o Laboratório de Genética Animal e Humana desenvolve pesquisas básicas sobre o uso compulsivo de álcool, que têm possibilitado ampliar o conhecimento acerca do alcoolismo e os estudos dessa dependência.

"Temos trabalhado, por exemplo, com indivíduos obesos, que, ao serem privados da comida (por uma intervenção cirúrgica, como a cirurgia bariátrica), desenvolvem compulsão pelo álcool. Outro modelo que estudamos indica que o recém-nascido privado do cuidado maternal tende, na adolescência, a buscar o álcool", contextualiza.

O próximo passo, ainda envolvendo o gene Lrrk2, será a realização de um estudo de associação com uma coorte de mais de três mil indivíduos genotipados, em colaboração com o epidemiologista Maurício Lima Barreto, da Universidade Federal da Bahia (UFBA). "Queremos saber se esse gene também pode estar envolvido com a predisposição ao alcoolismo. Além disso, também seguiremos estudando o mesmo gene no modelo animal para evidenciar novos alvos terapêuticos", adianta a professora do ICB.


Droga social
Ana Godard, que também ocupa a diretoria científica da Associação Nacional pela Restrição da Propaganda de Bebidas Alcoólicas, afirma que o álcool é uma das poucas drogas psicotrópicas (com potencial de abuso ou dependência), cujo consumo, no Brasil, tem sido admitido e até incentivado. "Nos últimos 20 anos, essa desordem passou do oitavo para o quinto principal fator de risco de mortalidade precoce e incapacidade na população mundial. O alcoolismo provocou 2,5 milhões de mortes em todo o mundo no ano de 2010", exemplifica.

Dados coletados para a pesquisa estimam que, no país, 59% da população faz uso abusivo de bebida alcoólica, dos quais 14% são classificados como alcoolistas. O alcoolismo também está associado a doenças psiquiátricas, hepáticas e cardíacas. Além disso, lembra a professora, a dependência alcoólica exige tratamento mais complexo na comparação com aqueles prescritos para outros tipos de drogas.

"O álcool é uma bebida social. Ele é aceito, e a pessoa que não bebe é quase sempre questionada. Contraditoriamente, o indivíduo alcoolista é menos tolerado pelas pessoas que os usuários de outras drogas. Com estes, costuma-se ter mais paciência, busca-se tratamento; o alcoolista é isolado, ignorado", afirma.


Reconhecimento
Em junho, o projeto Marcadores genéticos do alcoolismo, coordenado pela professora Ana Lúcia Brunialti Godard, foi homenageado pela Secretaria de Estado de Defesa Social, por meio da Subsecretaria de Políticas sobre Drogas, em premiação que reconheceu projetos de prevenção e combate ao uso de drogas desenvolvidos em Minas Gerais. Ele recebeu o diploma de segundo lugar na categoria Desenvolvimento de pesquisa científica e tecnológica.

"Nosso trabalho com alcoolismo, que se desdobra em várias pesquisas, foi reconhecido pelo governo do estado. Foram homenageadas personagens e entidades que têm feito diferença no combate ao uso abusivo de álcool em Minas Gerais, e fomos honrados com o diploma na categoria de pesquisa e inovação", diz a professora.

O artigo Inflexible ethanol intake: a putative link with the Lrrk2 pathway, escrito no âmbito da pesquisa e publicado na revista Behavioural Brain Research, pode ser lido no site http://bit.ly/2cah3PL

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