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Reflexão e ações concretas marcam contribuição da UFMG durante a pandemia

Em simpósio pela internet, dirigentes e pesquisadores abordam desafios, medidas internas e iniciativas em diversos campos

Desenhos orientaram explicação de Flávio Fonseca sobre o novo coronavírus. Foto: Raphaella Dias / UFMG

A UFMG tem contribuído de forma decisiva no enfrentamento à disseminação do novo coronavírus e aos efeitos do isolamento social preconizado pelas autoridades de saúde. Na tarde desta quarta-feira, em simpósio via web, professores da Universidade apresentaram iniciativas nas diversas áreas, ofereceram um panorama da situação no Brasil e no mundo e abordaram as reflexões e medidas no âmbito da instituição.

A reitora Sandra Goulart Almeida enfatizou que a UFMG está, como sempre, a serviço da sociedade e que a comunidade universitária vem se mobilizando, desde o início de março, para implementar ações no plano interno e de colaboração, em diversas frentes, em prol da população do estado e do país. “Estamos atentos à necessidade de preservação do nosso sistema de saúde, de cuidado com as populações mais vulneráveis, atuando de forma responsável, comprometida e solidária”, afirmou.

Na primeira parte do simpósio, promovido pelo Comitê de Enfrentamento do Novo Coronavírus da UFMG, o professor Flávio Fonseca, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), apresentou a estrutura do vírus e a forma como ele se liga às nossas células. Ele descartou a hipótese de que o novo coronavírus tenha sido criado em laboratório – “um processo desse tipo deixa cicatrizes detectáveis no genoma, e não há esses sinais” –, e o mais provável é que o microrganismo tenha sido transmitido originalmente por animais no mercado de Wuhan, na China, onde há proximidade exagerada com as pessoas.

Segundo Fonseca, o sistema respiratório humano é composto de células ricas em ECA2, enzima receptora da proteína do vírus, o que explica os efeitos graves da doença quando ela chega aos pulmões. A vacina, ele afirma, será encontrada em breve por um dos mais de 80 grupos dedicados no mundo e terá necessariamente anticorpos para essa proteína. “Uma dúvida é sobre que longevidade terá essa proteção imune, assim como não sabemos quanto tempo dura a imunidade pela infecção natural”, disse o pesquisador.

Exemplos

Depois de ressaltar que, no caso da Covid-19, ações como o alerta mundial, o sequenciamento genético e a criação de testes diagnósticos foram bastante rápidas, o infectologista Unaí Tupinambás, professor da Faculdade de Medicina, explicou que um problema enfrentado nessa pandemia é que o novo coronavírus é transmitido sem que se perceba, porque grande parte dos infectados se mantém assintomática. “É fundamental estar ciente de que toda a população é suscetível a esse vírus, que se transmite por via aérea, e que não há ainda vacinas ou medicamentos contra ele. Nosso objetivo é baixar a taxa de transmissão para abaixo de 1, ou seja, que cada pessoa infectada não chegue a infectar outra, em média.”

Unaí Tupinambás, que integra grupo de enfrentamento à Covid-19 criado pela prefeitura de Belo Horizonte, disse que, apesar da subnotificação de casos, há evidências de que a cidade ainda vive situação mais amena que os quadros enfrentados em outras capitais. “Os dados mostram que a curva de disseminação caiu em consequência da decisão pelo isolamento social. As UPAs Centro-sul e Venda Nova, referências no atendimento aos pacientes da Covid, têm folga em sua estrutura. Na Rede SUS de BH, a ocupação de leitos de enfermaria e UTIs reservados para esses pacientes não chega a 40%”, enumerou o professor.

Ainda de acordo com Unaí, é preciso seguir exemplos como o da Coreia do Sul, cujas medidas de contenção foram muito bem-sucedidas. “Estudos demonstram que, se a Itália tivesse adotado a quarentena duas semanas antes, o número de mortes teria sido 100 vezes menor. Precisamos evitar erros que já conhecemos. Se a decisão pela quarentena parece exagerada, é porque estamos fazendo a coisa certa”, concluiu.

Uma das características mais fortes do Sistema Único de Saúde (SUS), que é a integração de atenção primária e de urgência, redes ambulatorial e hospitalar, tem sido crucial no combate à pandemia em Belo Horizonte, segundo o gerente de atenção à saúde do Hospital das Clínicas da UFMG, Alexandre Rodrigues Ferreira, que também é professor da Faculdade de Medicina. Ele descreveu as providências para preparação do sistema para o atendimento à população: “Cuidamos de levantamento de capacidade instalada, separação de áreas nos hospitais, escalação e treinamento de profissionais. As atividades da rede foram revistas, por exemplo, com adiamento de procedimentos eletivos, como forma de reservar leitos para abordagem da Covid-19. Organizamos a logística em setores como transporte, processos de notificação e monitoramento epidemiológico.”

Ainda segundo Alexandre Ferreira, todo o trabalho tem sido guiado pela preocupação com o cuidado humanizado dos pacientes, que não podem receber visitas, e também dos profissionais, que estão enfrentando situação inédita. “A baixa taxa de ocupação do sistema, propiciada pelas medidas de contenção, tem sido fundamental para que se garanta atendimento de qualidade e margem para uma demanda que pode crescer”, disse.

Apoio a grupos vulneráveis

O simpósio foi dedicado também a considerações sobre os principais desafios do distanciamento social. A pró-reitora de Extensão da UFMG, Claudia Mayorga, afirmou que é preciso, em primeiro lugar, reconhecer que essa não é uma medida trivial. Ela demanda ações e políticas públicas destinadas a criar condições para a população se manter em isolamento. “Essa situação exige articulação entre trabalho, educação e vida doméstica e é fonte potencial de sofrimento mental, uma vez que as pessoas têm de lidar com estresse e angústia que nunca experimentaram”, disse a professora do Departamento de Psicologia.

De acordo com Claudia Mayorga, o isolamento ganha complexidade quando se trata de grupos vulneráveis, que já enfrentam dificuldades como acesso restrito à água, violações de direitos diversos e problemas ligados a questões de raça, etnia, gênero e território. “Há ainda o agravante do acesso desigual à informação”, destacou a pró-reitora. “Esses grupos estão expostos a informações ambíguas ou absurdas, sem base na ciência, o que ajuda a explicar a menor adesão às recomendações de se manter em casa.”

Claudia Mayorga informou que algumas das ações da Universidade na área de extensão são o estímulo à criação, por parte da comunidade universitária, de ferramentas que levem informações de qualidade a públicos específicos, o apoio social e jurídico a grupos vulneráveis e o acolhimento a pessoas de situação de sofrimento psíquico. “Esperamos que essa crise leve à opção pela solidariedade e à construção sólida da ideia de comunidade”, finalizou.

‘Aberração ética’

Analogias da crise causada pela pandemia de Covid-19 com outras da história recente não têm muita serventia, na visão do diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, Hugo Cerqueira. A crise atual é marcada por grande profundidade, sincronicidade global e pela natureza abrupta da queda da atividade econômica. “Ainda não sabemos sua duração e seu tamanho, mas sabemos que é uma crise gigantesca e que vamos ficar mais pobres”. Para ele, o dilema entre manter o isolamento para reduzir a disseminação do vírus e abrir a economia é “uma aberração ética e uma impostura científica”.

“Nós economistas não raro discordamos entre nós, mas há consenso sobre a necessidade de aumentar o gasto público para combater as consequências da pandemia e do isolamento. É preciso ampliar o seguro-desemprego e a renda básica emergencial, apoiar pequenas e médias empresas e financiar a estrutura da saúde. Esse consenso, entretanto, não está produzindo efeitos sobre o governo”, disse Cerqueira, acrescentando que a crise chegou durante um processo de desmonte do Estado. “A defesa do Estado mínimo é absolutamente imprópria. O investimento público será crucial agora e nos próximos anos.”

De acordo com o diretor da Face, países como a França e a Inglaterra têm aumentado a previsão de gastos, e os mercados locais têm recebido essa notícia com alívio. Cerqueira lembrou que o peso da dívida pública se reduz quando a economia cresce. “Por isso, é fundamental não deixar que a economia se desarticule e preservar sua capacidade de crescer. Será preciso então discutir, por exemplo, a questão tributária, mas de maneira mais ampla, com adoção de imposto progressivo sobre a renda e taxação de grandes fortunas, visando ao financiamento do esforço de salvar vidas e de assegurar a capacidade da economia de gerar emprego e renda”, disse Hugo Cerqueira.

‘Reglobalização’

No plano internacional, a pandemia tem demonstrado que a globalização não é um conceito definitivamente incorporado à cena, segundo o professor de Política Internacional Dawisson Lopes. Os impactos são sentidos de formas diferentes, assim como são distintas as estratégias, mais e menos bem-sucedidas, para lidar com a pandemia nos diversos países e regiões. “As últimas décadas foram marcadas por um aumento sem precedentes do fluxo de pessoas, ideias, mercadorias e capitais. E também é impressionante o alcance do novo coronavírus, que chega a praticamente todos os cantos do mundo.”

De acordo com Lopes, a pandemia tem efeitos fortíssimos nas economias, nas sociedades e na produção científica, com a interrupção do deslocamento internacional de pesquisadores. Mas ele vislumbra novas formas de colaboração. “Hoje mesmo, cientistas da UFMG e da cidade de Wuhan, na China, epicentro da pandemia, trocaram informações, em reunião virtual, sobre a Covid-19, falando o idioma universal da ciência. Esse é um exemplo interessante de reglobalização. Espero que essa solidariedade internacionalista venha para ficar”, afirmou o diretor adjunto de Relações Internacionais da UFMG.

Dawisson Lopes acha que a mobilidade será muito constrangida nos próximos anos, o que vai afetar cadeias produtivas e pode provocar desabastecimento de alimentos em determinadas regiões, mas imagina que a esses e outros problemas podem corresponder oportunidades e hábitos criados pela crise. Há potenciais interessantes a explorar, processos embrionários podem ser catalisados. Essa globalização enjaulada traz desafios e benefícios. A questão é sabermos escolher os caminhos e fazer isso da forma mais inteligente possível.”

Volta às atividades

A UFMG suspendeu as aulas há 43 dias e optou por não adotar o ensino remoto, porque não havia condições de garantir qualidade para todos. Em sua apresentação no simpósio desta tarde, a pró-reitora de Graduação, Benigna Oliveira, disse que a decisão foi baseada, sobretudo, nas diferenças entre as condições de acesso dos estudantes à internet. “Além disso, ensino a distância bem feito depende de planejamento específico, mediação pedagógica e capacitação de docentes”, afirmou.

Benigna informou que, nesse período de isolamento social, gestores, docentes e técnicos têm refletido e conversado sobre medidas que deverão guiar a volta às atividades, presenciais e a distância. “Estamos discutindo como aproveitar o potencial da tecnologia para melhorar o ensino e que processos de ensino e aprendizagem queremos fomentar”, disse a pró-reitora. Ela prevê um retorno gradual, marcado por medidas de distanciamento remanescentes.

De acordo com Benigna Oliveira, a retomada das aulas deverá ser precedida de definições sobre aspectos como infraestrutura tecnológica, atividades de tutoria, formação docente e reforço da assistência estudantil, para reduzir desigualdades. “Contamos também, para respaldar nossas ações, com políticas públicas que representem suporte financeiro e contenham diretrizes coordenadas para aumentar a inclusão e o acesso ao ensino público, gratuito e de qualidade”, completou.

(Itamar Rigueira Jr.)