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Favelas devem ser vistas pelo prisma da potência, defende Jailson de Souza e Silva no seminário sobre territórios da juventude

quarta-feira, 21 de outubro de 2015, às 10h34

O paradigma da carência, que sempre orientou a percepção e o imaginário social sobre as favelas, precisa ser substituído pelo paradigma da potência, capaz de valorizar a capacidade criativa e transformadora existente nessas comunidades. Essa é a diretriz que orienta o trabalho do Observatório de Favelas, criado e dirigido pelo geógrafo, educador e professor da Universidade Federal Fluminense, Jailson de Souza e Silva, convidado do seminário Territórios da Juventude, realizado na noite de ontem, dia 20, no CAD2.

A atividade, que também reuniu bolsistas de extensão e estudantes indígenas, integrou a programação da Semana do Conhecimento e foi organizada pelas pró-reitorias de Extensão e de Assuntos Estudantis e pela Rede Juventude UFMG.

“Olho o mundo a partir da favela”, disse Jailson de Souza e Silva, filho de migrantes nordestinos nascido no bairro de Brás de Pina, na Zona Norte do Rio de Janeiro, e que morou na favela de Nova Holanda, integrante do Complexo da Maré, sede do Observatório de Favelas. A entidade que dirige é uma organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) de alcance nacional que desenvolve pesquisas, consultorias e ações dedicadas à produção do conhecimento e proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. “Buscamos afirmar uma agenda de direitos à cidade, fundamentada na ressignificação das favelas, também no âmbito das políticas públicas”, informa o texto que apresenta o Observatório em sua página na internet.

Na linha da “ressignificação”, Jailson defendeu, durante sua exposição, a ideia de que as favelas devem ser vistas como ambientes de potência e não de mera carência. Para isso, sugeriu mudanças na forma de conceber os indicadores de desenvolvimento humano. “Por que não criar um indicador de convivência? Sob esse aspecto, viver em uma favela pode trazer mais vantagens do que em um bairro de classe média. Idosos e deficientes físicos, por exemplo, precisam da convivência, da proximidade, e isso é muito mais comum em lugares onde existem laços comunitários mais fortes.

Violência O professor da UFF e diretor do Observatório de Favelas também criticou a lógica que orienta a formulação de políticas públicas. “Da forma como são pensadas, acabam transformando as pessoas em reféns das próprias políticas. A pessoa quase nunca é vista como sujeito central”, afirmou Jailson, que integra um grupo de especialistas encarregado de discutir o planejamento estratégico da cidade do Rio de Janeiro para os próximos 50 anos.

Em sua participação no seminário, Jailson de Souza e Silva externou sua preocupação com a violência – que definiu como “tudo aquilo que afeta a dignidade do ser” –, principalmente a que atinge a juventude brasileira, em especial pobres e negros. Ele lembrou que a violência ceifa 52 mil vidas por ano – eram 30 mil há cerca de uma década. Para o diretor do Observatório de Favelas, esse quadro só será revertido com a adoção de políticas públicas para reduzir a mortalidade juvenil, a exemplo do que ocorreu, por exemplo, com a mortalidade infantil, que caiu drasticamente nas últimas décadas.

Relatos Em seguida, bolsistas de extensão – todos envolvidos em projetos que guardam semelhanças com as ações do Observatório de Favelas – fizeram relatos de suas experiências. O projeto Já é: psicanálise e coletivo de arte com adolescentes em conflito com a lei foi representado pelas estudantes de psicologia Christiane Rocha Barbosa e Letícia de Freitas Gomes.

Aluna do 10º período, Christiane descreveu a experiência de uma oficina de produção coletiva de quadrinhos proposta a jovens de duas comunidades da Região Metropolitana de Belo Horizonte – Fátima, em Sabará, e Pedreira Prado Lopes, na capital. Na primeira, a atividade foi ministrada em uma escola pública e envolveu alunos de 11 e 16 anos, “resultando em uma história de viés mais adolescente, que tratava, por exemplo, das relações amorosas e de gravidez”, resumiu Christiane.

Na Pedreira Prado Lopes, a temática dominante foi a violência. A história escrita pelo grupo foi inspirada em chacina que resultou de confronto entre grupos rivais em um sítio da Região Metropolitana. “Aqui, tivemos uma narrativa mais pesada, com relatos sobre abuso policial e violação de direitos”, lembrou Cristiane.

Bolsista do projeto Sistemas elétricos experimentais (Selex), Maísa Araújo Cota, estudante do quarto período do curso de Engenharia de Sistemas, explicou que a iniciativa de que participa se baseia na oferta de oficinas de elétrica e eletrônica para jovens beneficiados por medidas protetivas do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. “A sociedade é o nosso ‘produto’ final. Não estamos aqui para produzir máquinas, mas conhecimentos capazes de tornar nossa sociedade mais igualitária”, disse Maísa, enaltecendo a missão da atividade extensionista.

Outro programa apresentado durante o seminário foi o de ensino, pesquisa e extensão Resolução de conflitos e acesso à justiça (Recaj), da Faculdade de Direito. A bolsista Ana Beatriz Otoni contou que a iniciativa é desenvolvida em uma turma do 9º ano da Escola Municipal Salgado Filho, localizada no bairro Havaí, na Zona Oeste da capital mineira. “Lá, trabalhamos, por exemplo, com a ideia de comunicação não violenta, que se baseia na capacidade de expressar sentimentos sem ser agressivo”, disse Ana Beatriz, ao descrever uma das frentes do projeto.

Os relatos estudantis foram completados com o depoimento do estudante indígena Tewanã Carajá, que faz Medicina na UFMG. Originário de uma comunidade carajá em Tocantis, na fronteira com o Mato Grosso, Tewanã contou que luta diariamente para desfazer estereótipos que pairam sobre os povos indígenas, ainda vistos como atrasados e desconectados da sociedade contemporânea. “Toda sociedade precisa evoluir, inclusive a indígena. Lutamos pela inclusão, mas nunca deixaremos de ser indígenas”, afirmou.

Refinar as compreensões Na abertura do seminário, o pró-reitor de Assuntos Estudantis, Tarcísio Mauro Vago, defendeu a necessidade de “refinar e ampliar as compreensões sobre as juventudes. Só assim avançaremos nas políticas de acolhimento e inclusão”.

A pró-reitora de Extensão, Benigna Maria de Oliveira, destacou que a discussão sobre a relação campus e cidade vem norteando várias ações desenvolvidas na UFMG neste ano, como o Domingo no campus. “A juventude é central nesse processo. Os jovens que estão aqui [na Universidade] também estão lá fora. E é desejável que aqueles que estão fora venham para cá, sejam como estudantes, trabalhadores ou frequentadores do campus”, defendeu.

Responsável pela condução dos trabalhos durante o evento, a pró-reitora adjunta de Extensão, Cláudia Mayorga, salientou que a compreensão do fenômeno que chamou de “novas juventudes” passa por um trabalho em rede, de caráter interdisciplinar. “Temos a juventude negra, a juventude transexual, os estudantes indígenas, enfim, novos atores que compõem a vida universitária. A análise desse fenômeno deve ser feita por áreas distintas do conhecimento”, afirmou.

Fonte: Agência de Notícias UFMG