Notícias

'Sem arte não existe ciência', defende neurocientista da USP na abertura do seminário anual do Ieat

sexta-feira, 21 de outubro de 2016, às 15h11

Norberto Garcia-Cairasco, neurocientista da USP, e Britaldo Silveira Soares Filho, professor do Instituto de Geociências da UFMG, ministraram as palestras de abertura do Seminário Anual 2016 do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares (Ieat), que está sendo realizado hoje no auditório Álvaro Apocalypse, da Escola de Belas Artes. As atividades vão até o fim do dia, com a apresentação dos resultados das pesquisas desenvolvidas pelos participantes da última edição do Programa Professor Residente do Ieat.

“Costuma-se dizer que o mundo tem problemas, e a universidade tem departamentos. A tentativa do Ieat é a de viver fora dessa estrutura: com base nos conhecimentos disciplinares, tentamos promover iniciativas que rompam com essas barreiras e agreguem pessoas em torno de temáticas que precisam ser abordadas por uma perspectiva prática e aplicada, vinda de vários campos diferentes”, afirmou Estevam de Las Casas, diretor do Ieat [em foto ao lado], que coordenou o seminário.

“O que propomos com as variadas atividades que realizamos é que as pessoas conversem em torno dos problemas que existem, e não do departamento e da formação prévia a que estão submetidas”, defendeu. “Agora estamos planejando lançar um edital que possa oferecer algum tipo de suporte também para grupos de pesquisa que trabalham nessa perspectiva transdisciplinar”, contou.

Profanar é preciso A vice-reitora Sandra Goulart Almeida lembrou que o evento ocorre em consonância com a 25ª Semana do Conhecimento, com o aniversário dos 50 anos da pós-graduação da UFMG e, principalmente, com as comemorações dos 90 anos da instituição. “Eu penso o trabalho teórico do Ieat como um trabalho de interlocução, que consegue fazer um corte transversal no status quo do conhecimento. O Ieat desempenha o papel das profanações, no sentido do que o filósofo italiano Giorgio Agamben propõe: profanar como estar fora do tempo, fora daquilo que é reverenciado; a restituição do uso da reflexão, no sentido de tirar tudo aquilo que foi sagrado. Esse é o lugar do Ieat: o lugar da transgressão, do questionamento, das interrogações constantes, o espaço da profanação”, afirmou.

Cristiano Gurgel Bickel, vice-diretor da Escola de Belas-Artes [em foto ao lado], aproveitou a ocasião para salientar a proficuidade da integração entre ciência, arte e sociedade. “Esse evento marca o encontro das artes com outras formas de produção de conhecimento, marca o caráter transdisciplinar das artes. Um lugar de convergência se estabelece aqui. A Escola de Belas Artes tem essa marca de pluralidade e diversidade: é uma instituição essencialmente transdisciplinar”, disse.

Deslumbrar-se é obrigatório Em sua palestra, com base no mote Ciência, arte, educação e sociedade, o professor da USP Norberto Garcia-Cairasco demonstrou como as artes foram fundamentais para a construção do conhecimento científico – especificamente do conhecimento relacionado às neurociências, sua área de atuação. “A criatividade depende de uma curiosidade constante. Se eu não me deslumbrar diariamente, eu simplesmente estou frito. Para o pesquisador, o ato de se deslumbrar é obrigatório”, disse, ao demarcar as proximidades entre os dois campos.

Garcia-Cairasco sustenta que a arte constitui em si mesma uma forma de conhecimento. “A observação por meio da arte é essencial para a ciência. Sem arte não existe ciência. Arte é conhecimento”, cravou. O professor exibiu obras de arte de vários momentos históricos para com elas exemplificar o papel decisivo da arte para a construção do conhecimento científico – dos desenhos rupestres às obras abstratas da contemporaneidade, passando, naturalmente, pelas obras de nomes como Leonardo Da Vinci.

Norberto – que tem recorrido às artes plásticas para ampliar sua compreensão sobre os assuntos que investiga cientificamente – também lembrou algumas obras de arte que visam causar efeitos específicos na recepção, como uma pintura elaborada por meio da técnica de pontilhismo, que provoca uma mistura ótica específica nos olhos do observador. “O artista é também um neurocientista. Ele sabe como certas distorções afetam o cérebro de quem está observando uma obra de arte”, provocou.

Para o pesquisador, a ciência pode ser – e muitas vezes é – tão fundamentalista e dogmática quanto as religiões. Para exemplificar, citou o caso da reprodução de neurônios em adultos. “Durante cerca de 40 anos de neurociência, acreditou-se que os neurônios, em indivíduos adultos, não se reproduziam. Hoje, sabemos que isso era um mito”, disse. Contudo, contou o pesquisador, durante todo esse tempo defendeu-se a tese de que essa reprodução não ocorria, impedindo, inclusive, que pesquisas interessadas em provar o contrário fossem adiante. “Quando se entra no terreno do ‘eu acredito piamente que...', fica claro que a ciência já se aproximou do fundamentalismo das religiões”, disse.

Do aquecimento global à crise de refugiados Em seguida, Britaldo Silveira Soares Filho [em foto abaixo], professor do Departamento de Cartografia do Instituto de Geociências da UFMG, ministrou a palestra Ciência em apoio a políticas públicas, na qual abordou as mudanças climáticas pelas quais o mundo vem passado. “A previsão é de que, se não fizermos nada, em mais 20 anos o planeta alcançará novo equilíbrio global, com temperaturas até quatro graus acima da média histórica. As consequências serão trágicas", antevê.

Britaldo Silveira citou o recente aumento da movimentação de refugiados pelo mundo para exemplificar as possíveis consequências desse aquecimento mundial. “Duzentos anos atrás, em razão da erupção do vulcão Monte Tambora, na Indonésia, o mundo viveu três anos de uma grave crise climática. As colheitas fracassaram ao redor do mundo, sobretudo, na Europa. Houve fome. Na Índia, houve surtos de doenças, como a cólera. Tudo isso resultou em uma grande onda de refugiados climáticos. Há risco de que algo parecido volte a ocorrer”, alertou.

“As atuais mudanças climáticas podem desencadear nova e grande onda de refugiados ao redor do mundo. Mesmo que o [Donald] Trump ganhe as eleições americanas e construa o tal muro lá no México, isso não seria suficiente para barrar uma onda assim. Nesse sentido, não há beneficiários do aquecimento mundial", frisou.

Residentes Cinco docentes apresentam ao longo desta sexta-feira os resultados dos projetos que desenvolveram durante o Programa Professor Residente do IEAT: Eduardo de Campos Valadares, do ICEx, Georg Otte, da Fale, Maria do Carmo de Freitas Veneroso, da EBA, Renan Springer de Freitas, da Fafich, e Stéphane Huchet, da Escola de Arquitetura.

Fonte: Agência de Notícias UFMG