Neste momento de profundas transformações, é preciso reconhecermos que as múltiplas crises em que estamos imersos são também, e talvez antes de tudo, uma crise cultural. As respostas que damos — ou não damos — a essa crise profunda se constroem em torno de valores, modos de viver e pensar, tecidos no campo da cultura.
As universidades traduziram essas transformações em políticas educacionais e projetos acadêmicos que reconhecem a transversalidade do conhecimento na contemporaneidade, buscando a complexidade de sua produção e circulação, atravessada pelos contextos culturais. Por isso, é necessário garantir o direito à cultura e reafirmarmos a universidade como instituição cultural. Importa também reconhecermos o campo artístico-cultural como parte fundamental na produção de conhecimento, no planejamento estratégico e nas ações que nos farão atravessar esse momento fortalecidos rumo à revitalização da democracia e da justiça social.
A universidade cumpre papel fundamental nesse sentido, pois mobiliza toda sua comunidade para pensar e agir na busca de respostas aos desafios contemporâneos e está profundamente engajada em seu território cultural como instituição voltada para os interesses públicos. Aberta à diversidade de sujeitos e saberes, a universidade contemporânea renova seu compromisso com a inclusão social e abertura epistemológica. Os campos da cultura e das artes, em suas singularidades, são parte importante desse movimento de abertura. Por meio de diversos sujeitos de saberes e conhecimentos no campo das artes e culturas, a universidade contemporânea encaminha outras possibilidades para a compreensão de nossos impasses e para apontar outros modos de ver e viver o mundo.
São as ações artísticas e culturais que consideramos disruptivas o suficiente para contribuir com o movimento do fortalecimento da democracia. O recorte que essas ações promovem no espaço-tempo da vida viabilizam experiências sensíveis que promovem, como nos diz Jacques Rancière, “a partilha do mundo comum”.
A relação entre a estética e a política nunca esteve tão evidente quanto neste momento. O ataque a Brasília em 8 de janeiro de 2023 gerou imagens impactantes de destruição real e simbólica, parte de um projeto deliberado de forças reacionárias. Obras de arte, performances e manifestações tradicionais foram, nos últimos anos, e continuam sendo, alvo de ataques, que tomam formas variadas, sempre em torno de uma pauta que projeta para o país um contorno extremamente conservador, marcado por traços autoritários, e que reconhece o campo estético como campo de disputa. Portanto, é urgente que o campo cultural também seja espaço-tempo para pensarmos sobre a América Latina de hoje em sua enorme complexidade, paradoxos, limites, contradições e potencialidades, o que nos impõe articular reflexões sobre os movimentos de neocolonização, neodependência, neoconservadorismo e autoritarismo que disputam os projetos nacionais no continente.
Recentemente, o filósofo Vladimir Safatle disse que há uma dimensão profunda dos embates políticos que são embates estéticos – entre formas distintas de afecções e circulação da experiência sensível. Consideramos que é preciso reconhecer e fortalecer as emergências e insurgências de um mundo em transformação, que mobiliza as potências da América Latina profunda e de seus projetos futuros, que praticam e compartilham outras economias, outras políticas, outras sociabilidades, outras poéticas, que se traduzem em outras estéticas e são parte de uma necessária reconstrução do país baseada em novos valores e pactos.