Análise tem sido mencionada pelos organizadores como resposta aos protestos das comunidades contrárias à realização da corrida nas imediações da UFMG

Corte de árvores começou no dia 28, para a surpresa da população local e da comunidade universitária
Foto: Ewerton Martins Ribeiro | UFMG

Para justificar a realização da Stock Car no entorno da UFMG, os organizadores da corrida automobilística vêm afirmando que ela vai promover um incremento na economia do estado que ultrapassa a casa de R$ 1 bilhão e gerar uma arrecadação superior a R$ 20 milhões em impostos para a Prefeitura de Belo Horizonte. Esses números já foram informados em reportagens (como aquiaqui e aqui) – eventualmente, de modo a relacioná-los com dois estudos de impacto socioeconômico: um que teria sido encomendado pela própria Stock Car à Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) e outro realizado pelo Instituto de Pesquisas Econômicas, Administrativas e Contábeis (Ipead), instituição credenciada como fundação de apoio da UFMG.

O estudo encomendado pela Stock Car à Fiemg não foi disponibilizado à reportagem, mesmo após solicitação. Portanto, não é possível fazer nenhuma conferência dos dados que têm sido mencionados nem saber qual metodologia foi usada para se chegar aos resultados, ou mesmo se há alguma metodologia. No que diz respeito ao estudo do Ipead, denominado Stock Car BH/MG: impactos socioeconômicos do evento sobre a economia de Belo Horizonte e Minas Gerais, é possível observar uma grande discrepância entre os seus resultados e os números que vêm sendo apresentados pelos organizadores em suas entrevistas. O que o estudo do Ipead estima é que R$ 170 milhões serão gerados na economia do estado de Minas Gerais decorrentes da prova ou da etapa do ano de 2024.

Segundo o Ipead, a geração desses R$ 170 milhões se distribuiria da seguinte forma: R$ 108 milhões em Belo Horizonte, R$ 29 milhões na Região Metropolitana e R$ 33 milhões no restante do estado. O estudo não faz projeções para a geração de incrementos na economia no arco de cinco edições do evento nem faculta a mera multiplicação do valor referente a um ano por cinco. Para se fazer esse cálculo, outras variáveis precisariam ser consideradas.

Também há discrepância no que diz respeito às informações sobre a arrecadação tributária. Segundo o Ipead, a projeção de arrecadação é de R$ 12 milhões em impostos para todo o estado de Minas Gerais; não consta, no referido estudo, nenhuma informação sobre a arrecadação de R$ 20 milhões em impostos para o município de Belo Horizonte. Curiosamente, o montante de “R$ 20 milhões” remete a outro dado: o valor que a Prefeitura de Belo Horizonte estima gastar com as intervenções urbanas que vão possibilitar que a corrida seja realizada.

O estudo do Ipead também previu que o público da edição de 2024 do evento, estimado (pelos próprios organizadores) em 100 mil pessoas, deve gastar cerca de R$ 87 milhões na cidade, sendo que, para cada R$ 1 gasto no contexto do evento, R$ 7,10 devem ser desembolsados fora dele, em transações relacionadas principalmente a transporte, hospedagem e alimentação. Em relação aos empregos, a previsão é que sejam gerados 1.420 postos formais em Minas Gerais, mantidos por 12 meses: 881 na capital e 539 no restante do estado.

Para a realização do estudo, foram utilizadas as estimativas de custos e de receitas apresentadas pelos próprios investidores. As estimativas de gastos do público, fora do espaço oficial do evento, foram desenvolvidas com base em experiências com eventos semelhantes. Por fim, as projeções e simulações de impactos foram realizadas utilizando-se metodologia do Ipead reconhecida internacionalmente, cujo modelo basilar é denominado Integrated multiregional applied general equilibrium model-MG (Imagem-MG).

Dados científicos
O Ipead é uma entidade sem fins lucrativos credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) e pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) como fundação de apoio às atividades de pesquisa, ensino, extensão e desenvolvimento institucional da UFMG. Criada como instituto em 1948 por iniciativa de professores da Faculdade de Ciências Econômicas (Face), a entidade foi convertida em fundação de apoio em 2003.

Entre as suas finalidades, está a realização de pesquisas e de estudos teóricos e aplicados, além da oferta de serviços de consultoria e assessoria, que se valem de indicadores produzidos com base nos critérios técnicos mais atualizados cientificamente. Em razão dessa atuação, a Fundação Ipead é reconhecida nacionalmente pelo desenvolvimento de metodologias robustas de análise de cenários, que atendem aos mais rigorosos padrões científicos.

Entenda o caso

A polêmica sobre a realização de provas da Stock Car no entorno da UFMG, na Pampulha, intensificou-se nos últimos dias, em razão de a Prefeitura de Belo Horizonte ter iniciado intempestivamente o corte de dezenas de árvores na região para a realização das provas de automobilismo. Há pouco mais de dez anos, a Pampulha já havia sofrido com a supressão de quase 800 espécimes arbóreas, na época da transformação do Mineirão em arena, para a Copa do Mundo.

Segundo apuração da reportagem do jornal O Tempo confirmada por nossa reportagem, as árvores cortadas nesta última semana estão entre as que haviam sido plantadas em 2013 justamente como parte do acordo de compensação pela supressão realizada para a reforma do Mineirão. Foram, portanto, cortadas antes mesmo de concluírem o seu ciclo de desenvolvimento, interrompendo, na prática, o processo de compensação ambiental a que se destinavam.

Parecer desfavorável à supressão
Preocupada com os impactos que a corrida provocará na vida das pessoas e dos animais da região, as comunidades da UFMG e da região da Pampulha também estranharam o fato de a supressão das árvores ter sido aprovada pelo Conselho Municipal do Meio Ambiente de Belo Horizonte mesmo após o parecer técnico encomendado por esse Conselho ter-se mostrado “desfavorável à solicitação de supressões arbóreas”. Entre as árvores a serem cortadas, estavam oito espécimes de ipês-amarelos, cuja supressão é restringida por legislação estadual, que afirma ser obrigatória a preservação permanente da espécie.

No parecer, anota-se em dado momento: “É certo que toda supressão arbórea causa impacto ambiental negativo. Contudo, cabe destacar que essa região já foi muitíssimo prejudicada/impactada. Cabe no tempo presente intensificar efetivamente a arborização da região [em vez de se avançar no desmatamento].”

Esse foi o contexto em que, após a primeira leva de cortes realizada pela Prefeitura, uma liminar solicitada por legisladores de Belo Horizonte e de Minas Gerais paralisou temporariamente a supressão. Contudo, a Prefeitura recorreu, e a liminar foi derrubada pela presidência do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). Imediatamente os trabalhos de supressão foram retomados – de madrugada, curiosamente.

O contrato firmado entre a Prefeitura e as empresas ligadas à Stock Car prevê a realização de cinco anos de provas no entorno do Mineirão (no mínimo, já que o contrato pode ser prorrogado); a primeira de 15 a 18 de agosto. O contrato firmado estabelece que a área ficará à disposição durante as provas, mas em todo o “período compreendido entre os dez dias corridos anteriores à corrida e até cinco dias corridos posteriores à realização da prova” – é possível, portanto, que toda a área seja interditada por até 19 dias seguidos por ano, o que sinaliza impactos ainda não dimensionados em relação à livre circulação.

A UFMG, vizinha ao trajeto selecionado para a Stock Car (inclusive com o seu Hospital Veterinário, uma referência no país, e portarias de acesso), insiste que a Pampulha é um “local inadequado” para a realização de provas de automobilismo. Em nota à comunidade publicada no dia 28 de fevereiro, a Reitoria alertou particularmente para os “enormes impactos” que a corrida terá nas atividades acadêmicas.

“A instituição tem ciência de que os impactos do evento na UFMG serão enormes, afetando não apenas as unidades mais sensíveis, como a área hospitalar na qual se localiza o Hospital Veterinário, os biotérios de criação de animais, a Estação Ecológica e o Centro Esportivo Universitário, bem como todas as atividades de ensino, pesquisa e extensão da Universidade, além de aspectos relacionados a acesso, impacto ambiental, bem-estar dos animais e deslocamento das pessoas”, demarcou-se.

Sem diálogo nem aviso prévio
Ao assinarem a nota, a reitora Sandra Regina Goulart Almeida e o vice-reitor Alessandro Fernandes Moreira afirmam ter recebido com “estranheza e espanto” a notícia do corte das árvores no entorno do Mineirão, trabalho iniciado “sem qualquer aviso prévio ou diálogo”, “cujo impacto ambiental para as comunidades locais é imensurável”. De fato, a UFMG sequer foi incluída nas discussões prévias sobre a realização do evento, apesar de ter o seu principal campus instalado na fronteira do circuito da corrida. A Universidade e sua comunidade só tomaram conhecimento dos acordos pactuados para a realização do evento por meio da mídia.

Os impactos relacionados ao acesso ao campus Pampulha já puderam ser sentidos na última segunda-feira, dia 4, quando ocorreu a recepção semestral de cerca de cinco mil estudantes. Em razão da atuação da Prefeitura de Belo Horizonte na supressão das árvores e do consequente bloqueio nas vias de acesso ao campus, parte dos alunos, gestores e professores viram-se impedidos de chegar ao campus a tempo de participar das atividades programadas.

“O transtorno gerado no dia de hoje, com o impedimento do livre direito de circulação de nossa comunidade, dá uma dimensão dos efeitos que a realização da corrida provocará nas nossas atividades de ensino, pesquisa e extensão e na vida das pessoas que moram e se deslocam na região da Pampulha”, afirmaram a reitora e o vice-reitor em nova nota à comunidade, publicada na segunda, dia 4.

No comunicado, os gestores alertaram que o corte de árvores “dá continuidade a um processo de degradação ambiental e urbanística da Pampulha, cartão-postal de Belo Horizonte, patrimônio cultural da Unesco e orgulho dos mineiros”. A UFMG afirmou que “tomará todas as providências cabíveis e que estiverem ao seu alcance para garantir os direitos e o bem-estar da comunidade universitária e da região”.

Ewerton Martins Ribeiro