A imprensa e a moratória do "pão de queijo"

Dissertação mostra como três jornais brasileiros posicionaram-se

diante da suspensão do pagamento da dívida mineira

Ana Carolina Fleury

m janeiro de 1999, o governador Itamar Franco surpreendeu o meio político brasileiro ao suspender o pagamento da dívida de Minas Gerais com o governo federal. O episódio, que ficou conhecido como moratória mineira, transformou-se no principal fato político do início daquele ano e gerou posições controversas, que ganharam amplo espaço na imprensa brasileira. Um ano e meio depois do advento da moratória, surge o primeiro estudo acadêmico destinado a esmiuçar o discurso e o posicionamento de três dos principais veículos de comunicação do país frente à decisão do governador mineiro.

De autoria do jornalista Murilo Marques Gontijo, a dissertação Moratória de Minas Gerais: refração discursiva da mídia mineira em relação à nacional analisou mais de 580 matérias publicadas pelos jornais Folha de São Paulo, O Globo e Estado de Minas. Segundo ele, a Folha e O Globo foram escolhidos por terem projeção nacional, enquanto o Estado de Minas, um jornal de alcance regional, representou a visão mineira no episódio. "O Globo e a Folha de São Paulo produziram uma visão mais afeita ao pensamento do governo FHC, enquanto o Estado de Minas tentou elaborar um discurso próximo do caso", afirma Gontijo. Ele explica que a posição do Estado de Minas destoou das outras porque tentou estabelecer um diálogo com a sociedade mineira, refletindo, assim, uma "reação do regional ao nacional".

Em uma segunda frente de análise, o jornalista "cruzou" as posições dos três jornais com as dos principais partidos brasileiros. "O Estado de Minas transitou entre a posição do PFL, segundo a qual o contrato deveria ser honrado, e a do PT, que defendia a atitude de Itamar Franco", aponta Gontijo. Já a Folha, explica o jornalista, alinhou-se com o discurso do PFL, enquanto O Globo acompanhou o PSDB na tentativa de isolar o governador mineiro.

"Atriz" social

Murilo Gontijo ressalta a importância da perspectiva circular da comunicação para a análise dos discursos midiáticos. Esta noção permite ver a mídia como "atriz" social e espaço público da contemporaneidade, levando em conta as opiniões surgidas nas diferentes esferas sociais. Desta forma, ele observou que o Estado de Minas, como espaço público imerso na realidade da sociedade mineira, publicou mais matérias contrárias ao posicionamento do governo federal. Por isso, acabou dando mais voz à oposição. Segundo Gontijo, 49% dos textos do Estado de Minas argumentavam favoravelmente à moratória, contra 13,9% do jornal O Globo e 28,8% da Folha de São Paulo. Mas o autor da dissertação lembra que o jornal mineiro chegou a adotar, no princípio, uma posição contrária à moratória, para depois migrar em direção a um discurso favorável à decisão de Itamar. "Nos primeiros dias da cobertura, uma boa parcela das matérias do Estado de Minas eram feitas com base em textos veiculados por agências de notícias", justifica o jornalista.

Outro fator que marca as diferenças de discursos entre os periódicos refere-se ao número de personagens ouvidos pró e contra moratória. De modo geral, o Estado de Minas privilegiou depoimentos de cidadãos mineiros, como economistas, políticos, juristas, populares e figuras de oposição ao governo federal. Já a Folha de São Paulo e O Globo cercaram-se de opiniões que defendiam o pagamento da dívida, uma tese que supostamente ia ao encontro do interesse nacional.

Dissertação: Moratória de Minas Gerais: refração discursiva da mídia mineira em relação à nacional

Autor: Murilo Gontijo

Defesa: agosto de 2000

Curso: mestrado em Comunicação Social

Orientadora: Vera Veiga França





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Nº 1299 - Ano 27 - 15.11.2000