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Nº 1465 - Ano 31 - 2.12.2004

 

 

A Universidade do amanhã no Brasil*

Alfredo Gontijo de Oliveira**

stá bastante disseminada a crença de que a universidade já não mais consegue justificar-se de forma auto-referenciada como sempre fez e anda à procura de parâmetros para estabelecer sua nova identidade. Dessa forma, a excelência e os indicadores de desempenho não significam nada mais do que fundamentos para uma auto-reflexão com base em valores econômicos, estabelecidos pela cultura dos bens de consumo de base material, industrial e tecnológica. Ao se devotar culturalmente à excelência e aos indicadores de desempenho, a instituição se burocratiza, se engessa, restringe suas forças de evolução e limita seu potencial modificador da sociedade.

Depois de tantos ciclos e modelos, e apesar de toda aparência de robustez do ciclo atual, a "universidade transnacional empresarial" apresenta sinais de exaustão. Assim, é imperativo que sejam feitas reflexões capazes de ajudar a fundamentar a construção da instituição de ensino superior do amanhã. É necessário redefinirmos a excelência para projetarmos o futuro. Esta redefinição, baseada em modelo conexionista, fornece boa alternativa para a criação de um novo coletivo de sub-sistemas diferenciados.

Claramente, e de forma irreversível, o Brasil já fez a opção pelo sistema misto de ensino superior, em que parte é de responsabilidade direta do poder público e parte do setor privado. O conhecimento deste sistema misto é importante para definir missões que incorporem características de parceria e de competitividade. A grande diversidade de universidades privadas, com pouca pesquisa e essencialmente estruturadas como meras instituições de ensino, sugere que estamos construindo um modelo que procura gerar respostas para todas as demandas, referenciada preferencialmente pelas regras de mercado. Este modelo vigente não consegue dar respostas para produzir avanços significativos nas grandes questões sociais e humanas, apesar do fabuloso avanço científico e tecnológico que produziu, principalmente depois da segunda guerra mundial e que continua a produzir numa velocidade cada vez maior. Assim, vivemos uma contradição: enquanto dá sinais de exaustão no exterior, o modelo da "universidade transnacional empresarial" procura-se robustecer no Brasil.

O modelo atual, assentado numa abordagem disciplinar do saber, que fez a robustez da instituição, não consegue propor, fundamentar e implementar outros processos de geração, organização e disseminação do conhecimento. Não consegue também equacionar o financiamento de suas atividades. Assim, o futuro fica comprometido. A instituição encontra-se diante de barreiras intransponíveis se forem tratadas à luz das metodologias disciplinares que ela vem rotineiramente utilizando.

Por se tratar de uma crise epistemológica, as alternativas viáveis para a universidade do amanhã se darão por meio de ações mais profundas. O expediente de dar sobrevida à instituição através de pequenas mudanças já se esgotou. As condições demandam mudanças de maior envergadura, sob pena de criar um vazio conceitual na geração, organização e disseminação do conhecimento, com enormes riscos.

A estrutura unificada e referenciada em Brasília no período que sucedeu a reforma universitária de 1968 foi importante para fundamentar os valores sociais advindos da cultura científica. Agora, novos conceitos científicos mostram que os fenômenos naturais são importantes em todas as escalas e, em conseqüência, permitem trabalhar a eliminação da "arrogância do poder" pela introdução do processo de "desreferenciamento". O referenciamento absoluto, estabelecido pelo MEC, perde também o seu significado quando a ciência contemporânea afirma que o observador é parte integrante e indissociável do sistema observado e que padrões auto-organizados surgem espontaneamente em processos de elevada complexidade. Assim, a construção da instituição do amanhã deve ser um processo coletivo, envolvendo variados atores sociais.

Em apologia à diversidade, flexibilidade e complexidade, e na procura de uma unificação aberta, a ciência estabelece parâmetros que permitem a construção de boas metáforas para fundamentar a construção da universidade do amanhã.

Uma grande força de reação às mudanças emana do corpo docente das instituições universitárias, que vive a esquizofrênica condição de reconhecer a necessidade de mudanças, mas, ao mesmo tempo, não se engaja nos processos renovadores por angústia, excesso de atividades e acomodação. Balizado por referenciais acadêmicos de 30 anos atrás, o corpo docente não tem conseguido romper com o modelo vigente, se modernizar e projetar o futuro. Em suma, a instituição universitária e, por conseqüência, o processo de gerar, organizar e disseminar o conhecimento não pode _ nem deve _ ser referenciado empiricamente pelo potencial de aplicabilidade. A Universidade também não pode correr o risco de cair no niilismo absoluto ou em auto-referências, o que ocorreu no passado, mas não é mais aceito pela sociedade. As abordagens contemporâneas oferecem alternativas, pois permitem criar modelos de referenciamento relativo. Esta opção pode operar em níveis individual, institucional, regional, nacional e global. Criam-se, assim, condições para que o referenciamento seja feito a partir de julgamento pelos pares, em unidades de maior complexidade que os departamentos disciplinares, com o olhar aberto para admitir as interfaces de áreas do conhecimento. Se em todo o ciclo da cultura científica, essa questão do referenciamento absoluto (hierárquico e autoritário) foi usada para fundamentar as ações e a criação de instituições e programas, temos, pela primeira vez, as bases para construir novos modelos, evitando a radicalização do individualismo ou o autoritarismo messiânico.

As grandes questões que parecem estar postas sobre a universidade do amanhã são: 1. romper com a estrutura departamental disciplinar, criando unidades geradoras do conhecimento de maior complexidade, operando nas interfaces entre áreas; 2. operar com autonomia, rompendo com a estrutura centralizadora das instituições universitárias públicas; 3. promover a construção de cenários em que os docentes se engajem em contínuos processos de mudança; 4. utilizar metodologias fundamentadas na diversidade, na flexibilidade e na autonomia, trabalhando o espaço vazio entre e além das disciplinas; 5. promover a diversidade e a flexibilidade também nos processos de financiamento das instituições.

* Estas reflexões têm por base artigo publicado na Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, edição 81/2002, página 316-341, intitulado Preparando o futuro: educação, ciência e tecnologia _ suas implicações para a formação da cidadania

** Professor do departamento de Física do ICEx e diretor do Instituto de Estudos Avançados Transdisciplinares da UFMG

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