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Nº 1600 - Ano 34
10.03.2008

Entre o Nordeste e a Flórida

Dissertação da Face analisa mudanças no universo de cuidadores de idosos no Brasil

Ana Maria Vieira


Acolher e prestar assistência a familiares idosos, especialmente quando possuem algum grau de dependência física, é parte da cultura do brasileiro. Estudos demográficos revelam, no entanto, impactos preocupantes para a política nacional de saúde pública destinada a esse segmento devido à improvável sobrevivência do atual modelo nos próximos anos.

“O envelhecimento acelerado da população resultante da queda da fecundidade e do aumento da longevidade está levando à redução dos grupos etários mais jovens que estarão disponíveis para cuidar de idosos que precisam de assistência”, projeta a pesquisadora Álida Ferreira, que defendeu em dezembro passado dissertação no Cedeplar sobre o assunto.
Denominado Perspectivas da oferta de cuidadores informais da população idosa, Brasil 2000-2015, o estudo revisita o Censo Demográfico de 2000 para extrair, de modo inédito, dados capazes de subsidiar a análise do problema.

O Brasil contava, à época da sondagem, com cerca de 7,5 milhões de pessoas maiores de 60 anos portadoras de algum grau de incapacidade física ou mental permanente. Por outro lado, residiam, nos mesmos domicílios, pouco mais de 8 milhões de pessoas entre 18 e 79 anos sem tais restrições. Isso dá uma média de pouco mais de um potencial cuidador informal para cada idoso que necessita de atenção especial.

Num futuro próximo, no entanto, esse quadro deverá experimentar profunda mudança. Estimativa feita pela pesquisadora demonstra que, mantida a proporção de crescimento detectada no Censo, o país poderá, já em 2015, dispor de apenas um cuidador informal para cada 2,4 idosos que demandam atenção especial. Em números absolutos, os indivíduos dependentes de assistência totalizariam 12 milhões naquele ano, enquanto os cuidadores informais chegariam a 5 milhões. Um crescimento, nesse último segmento, de 39,5%, frente aos 57% registrados entre os idosos dependentes de cuidados especiais.

Como esses indivíduos pertencem a diferentes famílias, supõe-se impacto considerável para a previdência e os sistemas hospitalar e asilar públicos nos próximos sete anos, tanto no aspecto financeiro quanto no epidemiológico, devido, neste caso, à pressão por atendimento gerado por novo perfil de doenças. “Nem mesmo os países europeus e norte-americanos conseguem assumir a tutela integral de todos esses indivíduos”, salienta Álida. Contudo, as melhores condições socioeconômicas de tais populações lhes permitem atender por conta própria uma boa parte das necessidades surgidas na fase mais avançada da vida. Exemplo do fenômeno – e também seu estereótipo – são os norte-americanos que migram para a Flórida, para viver a velhice com maior conforto.

Um segundo cenário, mais otimista, também foi projetado. Nele, Álida pressupõe que, em 1,5% dos idosos brasileiros, a incapacidade física ou mental seria postergada por algum tempo. Ainda assim, a conclusão aponta um crescimento relativo desse segmento demandador de assistência (43%, ou 11 milhões de pessoas) superior ao grupo de potenciais cuidadores. Ao traçar esse cenário, a pesquisadora pretende demonstrar a importância de ações preventivas de saúde para que esse segmento prolongue sua independência.

Arthur Almeida
idoso

Gratidão e culpa

Em sua maioria, a população cuidadora de idosos é formada por mulheres solteiras, filhas ou enteadas, que vivem em áreas urbanas. Para extrair o perfil, Álida Ferreira "rastreou" essa população nos 6,3 milhões domicílios habitados por idosos portadores de incapacidades, o equivalente a 14,2% do total de residências particulares pesquisadas pelo Censo. “Essa é uma grande contribuição da dissertação, pois há pouca pesquisa sobre o tema e o Censo não inclui perguntas específicas sobre o universo de cuidadores”, esclarece.

O perfil confirma a hipótese sobre aspectos culturais relacionados ao papel da mulher na sociedade. Mas lança novas questões decorrentes de sua maior participação no mercado de trabalho e, portanto, do afastamento de tais funções.

Para conhecer como a população vivencia a situação e estabelecer parâmetros para novos estudos, foi realizada pesquisa qualitativa em Belo Horizonte, João Pessoa, Porto Alegre e Recife. O inquérito também integra projeto financiado pelo CNPq sobre Vulnerabilidades das mulheres que saem do período reprodutivo no contexto da rápida transição demográfica brasileira, coordenado pela professora Laura Wong, orientadora de Álida Ferreira.

A partir de entrevistas de campo foram identificados sentimentos e comportamentos de um grupo de 14 pessoas. “A maioria delas pensa que cuidar dos pais é uma obrigação e signo de gratidão. Elas também não se sentem confortáveis em delegar a função para terceiros ou mesmo instituições”, escreve.

A maior inserção da mulher no mercado de trabalho, verificada no Sul e no Sudeste, no entanto, traça linha divisória no comportamento dos indivíduos dessas regiões e do restante do país. “Como têm
outras responsabilidades, elas consideram a possibilidade de recorrer a internações – e o fazem –, mas carregam sentimento de culpa pela atitude”, constata.