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Nº 1650 - Ano 35
27.4.2009

opiniao

O que será da academia
na próxima geração?

Paulo Villani Marques *

Acabei de ler o texto da professora Maria Cristina Soares de Gouvêa e em (con)sequência o do professor Ivan Domingues, que infelizmente não tinha lido antes, publicados neste BOLETIM nos dias 13 de abril e 16 de março, respectivamente. Se por um lado fiquei satisfeito em saber que outros colegas compartilham meu desconforto com os rumos da universidade brasileira, particularmente em relação à qualidade do nosso trabalho e dos nossos produtos, por outro lamento que sete anos se passaram, desde que levantei o assunto pela primeira vez (Examinador ou revisor?, BOLETIM 1344, de 11/04/2002), e muito pouco, ou nada, mudou.

No Colégio Técnico, em 1972, quando comecei na UFMG, era palpável o clima de seriedade, de busca pela excelência da ciência, da técnica e do conhecimento e cultura gerais, apesar de ser uma escola secundária. Em 1974, no ICEx, experimentei novamente aquela sensação de grande responsabilidade e dever de aproveitar a oportunidade por estudar numa escola pública e ter contato com grandes professores. Imagino quantos alunos hoje se disporiam a ouvir, num final de tarde de sexta-feira, uma palestra “rotineira” de mestres como Francisco Magalhães Gomes ou Ramayana Gazinelli.

Dessas vivências, surgiu o desejo de seguir uma carreira no ensino e na pesquisa e, em 1984, fui admitido, após concurso, como professor do Departamento de Engenharia Metalúrgica, logo após concluir meu mestrado. O Demet, àquela época como ainda hoje, era um centro de referência nacional e internacional na área e tinha também uma característica pouco comum na UFMG e em outras universidades brasileiras: uma forte interação com o parque industrial. Desenvolvia-se ali, além de pesquisa básica, uma pesquisa aplicada, voltada diretamente para solução de problemas industriais. Nos congressos da década de 80, discutiam-se conceitos, teorias e técnicas em profundidade. As críticas eram consideradas construtivas e não uma ofensa pessoal. Discordâncias eram vistas como oportunidades de discussão e avanço do saber.

Tudo isso me mostrou que uma pesquisa, pura ou aplicada, deve ser produzida com o intuito de buscar avanço no conhecimento e que é preciso conhecer o “estado da arte” ou um problema real, para se evitarem repetições insossas e desnecessárias e o desperdício de recursos. Antes de fazer pesquisa, há que se ler, e muito, fontes de informação legítima e útil, característica que há muito não se enquadra no estilo dos anais de congressos em geral, como agora já é reconhecido “oficialmente” pela Capes, por outros órgãos avaliadores e até mesmo por alguns periódicos.

Avaliação de desempenho baseada apenas em critérios quantitativos e não qualitativos induz à produção pura e simples de papel, que aceita tudo, com textos mal-escritos, sem conteúdo e absolutamente inúteis, exceto para justificar a realização de congressos e simpósios adequadamente referidos como “turismo acadêmico” ou “turismo científico” e a publicação de “zilhões” de artigos pseudotécnico-científicos, que só servem para aumentar os lucros dos editores de revistas.

O famoso Febeapa (Festival de Besteiras que Assola o País), detectado e criticado pelo saudoso Stanislaw Ponte Preta há cerca de 30 anos, já não é apenas um fenômeno nacional. Espalhou-se pelo mundo e chegou também à academia. É frustrante corrigir uma prova ou um trabalho de alunos de graduação e pós-graduação e encontrar apenas “lero-lero”, ou seja, frases e frases que não dizem nada mais que o óbvio e não revelam um mínimo de conhecimento útil. São piores que aquele antigo Almanaque Fontoura e similares. Ou encontrar em um trabalho científico algo como um enunciado de uma lei da Mecânica Clássica ou um princípio da Teoria da Relatividade que tem como referência uma dissertação ou um artigo de 2007.

Como medir a “qualidade” de um artigo técnico ou científico? Difícil de responder. Algumas tentativas foram feitas, quase sempre baseadas em critérios quantitativos, e sempre se mostraram inúteis e/ou facilmente burláveis, como número de citações, índices de impacto etc. Os “espertinhos de plantão” passaram a usar a tática do Eu te cito se tu me citares e todos seremos citados para sempre. Creio que somente evoluíremos neste campo quando retomarmos aquela prática “desinteressada com todas as aspas possíveis”, mencionada pela professora Cristina em seu artigo, aquela pureza de espírito e de intenções e um comportamento ético e honesto na busca pelo verdadeiro conhecimento e progresso da ciência. Se a distribuição de bolsas e verbas de pesquisa continuar sendo feita a partir de critérios avaliativos baseados em números e não no mérito e na competência, os “espertinhos” sempre vão continuar na frente.

Outro aspecto que contribui para o desânimo e frustração dos acadêmicos é o tratamento recebido dos órgãos de fomento, de administração e de gestão de recursos para pesquisa. A meu ver, todas as práticas e procedimentos partem da premissa de “você é desonesto até prova clara e cabal de que não é”, ou “você é considerado um idiota e irresponsável até apresentar todos os documentos que nós, burocratas, julgamos necessários para comprovar que é capaz de fazer o que propõe”. Acho simplesmente humilhante ter de apresentar, por exemplo, um cartão de embarque para comprovar que viajei para participar de uma banca ou um congresso, ou uma nota fiscal de R$ 5 quitada, assinada e carimbada para comprovar o pagamento de um mísero sanduíche, ou três orçamentos datados, carimbados e assinados para comprar uma porca e um parafuso pelos menores preços, mas de péssima qualidade.

Enfim, alguma coisa há que ser feita imediatamente, ou não haverá mais como recuperar e manter os valores essenciais da academia.

*Professor associado do Departamento de Engenharia Mecânica da UFMG

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