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Nº 1673 - Ano 36
26.10.2009

opiniao

Nascimento da tragédia: a Nova República e o movimento estudantil

Philippe O. Almeida *

Ao professor doutor José Luiz Borges Horta, o agon encarnado.

“Há tantas auroras que não brilharam ainda.” (Friedrich Nietzsche)

Finda a longa noite em que consistiu o regime militar, eis que desponta a aurora de tempos modernos. Entre 64 e 88, nas fileiras de combate à ditadura, formaram-se e consolidaram-se diversos grupos populares, urbanos e rurais. A partir daí, seria tempo de esses movimentos sociais, unidos, assumirem o papel de avatares da Nova República.

Nas escolas, ruas, campos, construções, todos se transformariam em artífices da redemocratização, erguendo uma ponte entre a práxis cotidiana e as decisões políticas. Para muitos, a chamada Constituição Cidadã representaria o ápice dessas novas perspectivas enquanto comunhão dos mais variados segmentos da nação brasileira na composição de uma carta de compromissos.

Realizada essa difícil travessia, os grupos populares viram-se diante da necessidade de se legitimarem, não só faticamente, mas, também, institucionalmente. À luta pelo poder seguir-se-ia a luta pelo (e através do) direito. Nesse contexto, sem pestanejar, muitas lideranças (entre elas, as estudantis) tomaram uma decisão: a de vincular-se aos recém-rearticulados partidos políticos.

Decisão fatal! O que outrora unificava trotskistas, maoístas, gramscianos e teólogos da libertação era a presença de um inimigo comum. Não encontrando consenso em seus diversificados projetos de desenvolvimento, eles insistiram, ainda assim, em buscar integração, não através de um plano de governo, mas sob a égide de alguns princípios e sob os vultos de algumas figuras. Ademais, subordinaram seu modus operandi a interesses partidários: frise-se que, governo após governo, os líderes de entidades da sociedade civil vêm sendo sistematicamente cooptados a ingressarem em cargos de direção e assessoramento superior. Há que se concordar com Drummond: “este é tempo de partido/tempo de homens partidos”.

A partidarização da cúpula dos movimentos sociais resultou, dessa feita, em sua desoperacionalização. As ideologias defendidas deixaram de representar as reflexões e as necessidades advindas do coração dos próprios grupos populares e tornaram-se simulacros importados de legendas várias. A isso, seguiu-se o generalizado descrédito das cúpulas, das ideologias e do sistema partidário junto às bases dos movimentos sociais. Em outras palavras: a partidarização da cúpula conduziu à despolitização das bases.

Também o movimento estudantil encontra-se à sombra do crepúsculo dos ídolos. Há anos, facções vinculadas a dois partidos de esquerda digladiam-se pelo controle da União Nacional dos Estudantes (UNE). Tal embate – que não corresponde às disposições e às tendências das massas que compõem o ensino fundamental, médio e superior – tem impossibilitado que o movimento estudantil atue, nos grandes dilemas da Nova República, com a inteligência e a autonomia que já lhe foram próprios. Diversas coalizões, inconformadas, tentam, dos escombros da UNE, edificar novas entidades. Novas entidades, com novos partidos – diferentes dos que financiam o conflito na cúpula. Mire e veja: novos partidos, velhas práticas.

E enquanto nos cumes alternam-se vencedores e derrotados em contínuas vicissitudes, nos vales a despolitização aumenta em disparada. Com efeito, grêmios, DAs e CAs vêm, paulatinamente, substituindo a militância em questões sociais de maior amplitude – como o combate à discriminação, a liberalização do aborto, a socialização dos meios de produção – por atuações pontuais e direcionadas a deficiências internas de suas respectivas instituições de ensino – a ausência de professores e a gestão do espaço físico, por exemplo. Picuinhas acadêmicas, diriam uns. Mas o fato é que a vanguarda do movimento estudantil, nos dias que correm, tornou-se pragmática e programática (espelhando, curiosamente, a nova geração de políticos que, pragmáticos e programáticos, têm se destacado no cenário nacional, como Aécio Neves, Sérgio Cabral, Eduardo Campos, Marcelo Perillo e Antonio Palocci).

Para alguns, o nascimento da tragédia; para outros, a emergência do doce espírito da música! Mas, quer sejamos, face a essa inflexão pragmática, apocalípticos ou integrados, devemos admitir que atuar no movimento estudantil a partir dos paradigmas tradicionais está se tornando inviável. Refazendo os passos da militância universitária nos últimos anos, pode-se observar que, em todas oportunidades nas quais se tentou proceder sob o signo de uma matriz ideológica definida, a atuação resultou em desastres. O fracasso da luta, nas universidades públicas, contra as fundações de assistência estudantil, as fundações de apoio e os cinturões tecnológicos são evidências disso. Associados, por uns e outros, ao neoliberalismo, os temas citados foram, de imediato, descartados. Hoje, herdamos impasses decorrentes desses posicionamentos ideologicamente comprometidos, mas tecnicamente falhos.

Assim, toda e qualquer gestão de grêmio, DA, CA e DCE, se quiser sobreviver – política, administrativa e, mesmo, economicamente – terá que incorporar, para além do bem e do mal, elementos pragmáticos. E, embora alguns tentem nadar contra a correnteza, a verdade é que questões como o controle orçamentário dos órgãos de representação estudantil tornar-se-ão cada vez mais prementes. A “gaia ciência”, agora, reside em saber se articular, entre e para além dos muros, em vista da satisfação de necessidades de curto e médio prazos. Esta é a atual conjuntura. Se ela representa um crepúsculo ou uma nova aurora, só o tempo dirá.

* Bacharel em filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia e estudante do 7° período da Faculdade de Direito da UFMG, onde é diretor de Ensino e Pesquisa do Centro Acadêmico Afonso Pena (CAAP)

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