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Nº 1691 - Ano 36
19.4.2010


Da prática à teoria

Ele trabalhava como torneiro mecânico quando foi convidado para praticar o salto triplo pela primeira vez, aos 20 anos de idade. Como a profissão o mantinha ocupado durante a semana, Nelson Prudêncio treinava somente aos sábados no começo da carreira – e diz agradecer à sua herança genética pelas medalhas de prata e bronze nas Olimpíadas da Cidade do México, em 1968, e de Munique, em 1972. Doutor em atletismo pela Universidade de Campinas (Unicamp), o ex-atleta agora é professor da Universidade Federal de São Carlos (SP) e presidente da comissão de atletas da Confederação Brasileira de Atletismo. Em recente visita à Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG, Prudêncio falou ao Boletim sobre o desafio da formação de atletas para os jogos de 2016 e a importância das universidades nesse processo, além de relembrar sua trajetória esportiva.

O que falta ao Brasil para ser potência esportiva?

O que falta é a base, e essa base tem que vir da escola, porque todos nós passamos por lá. A escola deve oferecer formação com direcionamento desportivo, não no sentido de ensinar os esportes, mas no de trabalhar as habilidades motoras coordenativas que cada faixa etária propicia. É preciso que haja essa possibilidade de oferta de movimento, criar a base motora, é isso que vai direcionar as pessoas para as várias modalidades. É o esporte que escolhe a gente, em função de nossas fontes metabólicas de energia ou nossas habilidades motoras coordenativas.

Como investir adequadamente para que o esporte seja inclusivo e formador, gerando, ao mesmo tempo, atletas de alto rendimento?

Posso falar sobre o atletismo. Necessitamos de parcerias, de apoio financeiro. Também depende de nossas escolas de educação física criar projetos de atividades que sirvam tanto para promover exercício físico e inclusão social, como para descobrir crianças com potencial para o alto rendimento. A universidade tem que criar programas que possam ser aplicados nas escolas.

O fato de ser um país monoesportivo (todas as atenções são voltadas para o futebol) impede que o Brasil se desenvolva em outras modalidades?

Já se diz: o futebol não é esporte, é paixão. O futebol se manifesta muito mais e há muito tempo no nosso país, mas creio que temos material humano para todos os esportes – mesmo aqueles praticados na neve. Nós nem temos neve aqui e há brasileiros competindo lá fora.

O senhor falou que o esporte escolhe a pessoa. No Brasil falta enxergar potencial nos jovens e nas crianças?

No sentido de rendimento, sim. É preciso aprimorar nossos profissionais. Mas já temos bons técnicos que conseguem perceber isso e direcionar o treinamento para o potencial do atleta.

Faltaria, na escola, o professor de educação física que olha para uma criança e enxerga o potencial?

É possível. Por isso eu destaco o papel das universidades para aquisição do conhecimento. É isso que vai transformar os professores de educação física. De posse desse conhecimento eles poderão observar nos atletas como a mecânica do movimento é direcionada para determinada prova. A forma de andar, de correr, as brincadeiras, o tempo de reação, tudo isso é possível perceber ali.

Com a proximidade das Olimpíadas de 2016, vai haver investimento maior na formação de atletas de alto rendimento? E depois do evento?

O atletismo já vem fazendo isso. Talvez o Comitê Olímpico Brasileiro e o Ministério do Esporte já estejam traçando linhas de ação, estratégias para isso. Quanto a depois, é imprudente falar sobre algo que não ocorreu. Temos que partir de fatos. Muitas variáveis estão envolvidas na formação de base. A Confederação Brasileira de Atletismo atua no sentido de construção a longo prazo, e também criando condições de infraestrutura e capacitando os profissionais. É naturalmente um processo moroso.

O senhor começou a praticar o atletismo aos 20 anos de idade. Considera que iniciou tarde sua vida esportiva?

Não, acho que foi ótimo, porque não tínhamos, naquela época, o conhecimento de como trabalhar. Faço sempre essa analogia: se pegarmos uma picanha e colocarmos na churrasqueira com a gordura para baixo, o fogo vai derreter tudo. Na época não tínhamos alguém trabalhando nessa linha de formação a longo prazo. Eles visavam sempre resultados imediatos. E aos 20 anos eu já estava em estado de maturação biológica, de prontidão. Então essa pressa de me “lançar no mercado” agiria em detrimento dos meus resultados. De 1980 para cá é que estamos conhecendo a máquina humana.

Muitos ex-atletas passam a atuar como treinadores ou consultores quando se aposentam. O senhor optou pelo caminho acadêmico. Por quê?

Muito do que era feito não tinha nada a ver com a prova que a gente disputava. Eu saía correndo três, quatro quilômetros, quando meu tipo de manifestação de energia era, no máximo, um trabalho de três a dez segundos. Então eu pensei que alguma coisa devia estar errada, e isso me fez querer deixar algo sobre o que fazer com relação à minha prova, da detecção à promoção de talentos. O intuito era discutir no meio acadêmico, com técnicos e os profissionais que vão levar os subsídios para o esporte de alto rendimento.

(Fernanda Cristo)

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