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Nº 1737 - Ano 37
09.05.2011

RECONHECER para defender

Artigo publicado em revista internacional descreve receptor do sistema imune responsável pela identificação de bactéria similar à da tuberculose

Ana Rita Araújo

A revista Infection and Immunity (IAI), da Sociedade Norte-americana de Microbiologia, publicou com destaque, em sua edição de abril, artigo de grupo de pesquisa do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG que revela mecanismo de reconhecimento – pelas células do sistema imunológico do hospedeiro – do DNA genômico da bactéria Mycobacterium avium.

Os bacilos do gênero Mycobacterium spp são responsáveis pela tuberculose, doença que acomete anualmente cerca de nove milhões de pessoas no mundo. “O Mycobacterium avium assemelha-se à bactéria da tuberculose e infecta principalmente indivíduos imunocomprometidos, incluindo portadores do HIV”, explica o coordenador da pesquisa, professor Sérgio Costa Oliveira, do Departamento de Bioquímica do ICB.

O artigo, que tem como primeira autora a doutoranda Natália B. Carvalho e autor principal o professor Sérgio Costa Oliveira, é inédito nessa espécie e mostra como o receptor nas células imunes, o Toll-like receptor 9 (TLR9), reconhece especificamente o DNA do bacilo. O trabalho também descreve o impacto desse reconhecimento no processo infeccioso.

Sérgio Costa explica que o sistema imune inato do hospedeiro utiliza uma variedade de receptores que reconhecem estruturas microbianas. “Estudos recentes têm reportado a importância dos receptores do tipo Toll-like, presentes em mamíferos, que ativam o sistema imune e induzem síntese de citocinas pró-inflamatórias”, comenta o professor. Segundo ele, essa família de receptores está diretamente envolvida na identificação de determinados microrganismos e no início do processo de ativação do sistema de defesa do hospedeiro. “É através desse reconhecimento que se desencadeia todo o processo da resposta imunológica. Se for possível ativar artificialmente esses receptores da célula, pode-se preparar o sistema imunológico antes de ele encontrar o patógeno”, destaca, ao lembrar que tal conhecimento pode ser utilizado para desenvolver terapias preventivas.

A equipe coordenada por Costa estuda receptores de imunidade inata em bactérias intracelulares. “São dois modelos – o da Brucella e o Mycobacterium. No caso deste segundo, temos trabalhado com o
M. avium, até que se conclua a construção do Laboratório de Biossegurança, onde poderemos lidar com o Mycobacterium tuberculosis, que requer um nível de proteção mais elevado”, antecipa. Em construção no ICB, o Laboratório de Biossegurança será uma unidade multiusuários, com estrutura de trabalho para manipulação de microrganismos – bactérias e vírus – de nível três de segurança. A obra tem recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

Com relação ao destaque recebido pelo artigo na revista IAI, Costa comenta que qualquer grupo de pesquisa que publica nessa revista, tanto dos Estados Unidos quanto da Europa, fica satisfeito, uma vez que se trata de veículo muito credenciado. “E muito mais quando se obtém destaque na seção Spotlight pela importância do trabalho na área”, analisa.

Tuberculose

A relevância da pesquisa com os bacilos do gênero Mycobacterium spp pode ser dimensionada com base nos dados de presença da tuberculose no mundo. Estima-se que um terço da população mundial esteja infectada e que 5% desses indivíduos desenvolvem a doença ativa durante os primeiros anos após a exposição, o que leva a três milhões de mortes a cada ano. Segundo Sérgio Costa, mais da metade dos casos no mundo ocorrem nos países mais populosos da Ásia – Índia, China, Indonésia, Bangladesh e Paquistão. Já no Brasil a doença acomete dez pessoas por hora e mata 14 por dia. “Atualmente estimam-se cem mil novos casos no país a cada ano”, contabiliza o pesquisador. Ele comenta que o aumento na incidência da tuberculose a partir de 1990 está relacionado ao aparecimento da epidemia de aids, o que contribuiu também para o surgimento de cepas resistentes a múltiplas drogas. “A característica principal da infecção pelo HIV é a progressiva destruição dos linfócitos T CD4+, que possuem função crucial na resposta imune e no diagnóstico da tuberculose”, informa.

Embora o principal agente itiológico da tuberculose seja o bacilo Mycobacterium tuberculosis, o Mycobacterium avium serve como modelo para o estudo da infecção. “Recentemente foi reportado no Brasil que, mesmo durante a terapia antirretroviral, 9% de pacientes soropositivos para HIV apresentam infecções causadas pelo M. avium. Isso demonstra sua importância para a saúde pública e deixa clara a necessidade de mais pesquisas para o entendimento da relação desse microrganismo com o hospedeiro”, afirma Costa.