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Nº 1978 - Ano 43
22.05.2017

Pela liberdade no mundo digital

Richard Stallman, criador do Movimento Software Livre, fará conferência em defesa do compartilhamento e da
privacidade dos usuários

Itamar Rigueira Jr.

No início da década de 1980, quando era programador do Laboratório de Inteligência Artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Richard Matthew Stallman viu desfazer-se a comunidade a que pertencia, caracterizada pelo espírito de colaboração, já que seus amigos foram arregimentados por empresas produtoras de softwares proprietários. Ele teve um choque quando, ao tentar consertar o driver de uma impressora, o desenvolvedor se recusou a compartilhar o código-fonte. Forjava-se naquele momento o mais destacado ativista mundial pela liberdade no uso da tecnologia.

Stallman fará na UFMG, em 29 de maio, a conferência Uma sociedade digital livre: o que torna a inclusão digital boa ou ruim?, que integra a programação dos 90 anos da UFMG. Fundador do Movimento Software Livre, ele tem feito pelo mundo a defesa da cultura do compartilhamento e a denúncia da censura e do ataque à privacidade dos usuários.

"O Software Livre é um projeto político, social e ético, base da esperança e da luta de Stallman por uma sociedade em que o cidadão tenha controle sobre sua vida", comenta o professor Loïc Cerf, do Departamento de Ciência da Computação, anfitrião de Richard Stallman na UFMG. Assim como o ativista americano, Cerf não usa telefone celular. "Stallman costuma dizer que o celular é 'o sonho de Stalin', por causa dos softwares proprietários, que capturam dados pessoais", lembra o professor do ICEx.

Em 1984, Stallman iniciou o desenvolvimento de GNU, sistema operacional livre que mais tarde seria associado ao Linux – um kernel, componente central do sistema – e resultaria no GNU/Linux.

Quatro liberdades

O software livre é definido por quatro liberdades essenciais: os usuários podem rodar um programa do jeito que quiserem, para qualquer finalidade; podem estudar como o programa funciona e adaptá-lo a suas necessidades; podem redistribuir cópias para ajudar outras pessoas; finalmente, podem aperfeiçoar o programa e tornar pública essa melhoria. O acesso ao código-fonte é, naturalmente, precondição para a segunda e a quarta liberdades.

"Richard é a pessoa mais íntegra com quem já tive o prazer de conviver. Seu trabalho é para que todos nós possamos usar computadores sem sofrer controle alheio", afirma Alexandre Oliva, cofundador da seção latino-americana da Fundação para o Software Livre, que o premiou recentemente por sua contribuição ao avanço da causa. Para Oliva, nunca foi tão fácil ter acesso e usar software livre, mas nunca foi tão difícil alcançar a plena liberdade. "Empresas liberam componentes pouco relevantes para suas estratégias de mercado, mas mantêm secretos outros que servem a objetivos menos confessáveis", ele diz.

A conferência de Richard Stallman, com tradução simultânea, terá início às 14h, no Auditório Nobre do CAD 1.

Entrevista/Richard Stallman

Vigilância ameaça democracia

Que leis ou ações podem criar condições para uma inclusão digital positiva?

Precisamos de leis que impeçam sistemas digitais de capturar e transmitir dados pessoais não cruciais para determinadas finalidades. Os Estados devem distribuir, usar e desenvolver apenas software livre e estabelecer sistemas de pagamentos digitais anônimos para quem paga, mas que identifiquem quem recebe, para evitar evasão fiscal. O monitoramento indiscriminado de pessoas e carros nas ruas deveria ser proibido.

Como os avanços tecnológicos ameaçam a democracia?

A principal ameaça à democracia é a vigilância em massa. Se o Estado quase sempre sabe quem vai aonde e quem fala com quem, pode pegar e prender heróis como Edward Snowden, pessoas de quem a democracia depende. Backdoors [mecanismos ocultos que permitem acesso remoto] e as sabotagens que elas possibilitam são também perigosas.

Quais foram a vitória e a derrota mais importantes no Movimento Software Livre nos últimos anos?

O maior avanço recente é que já é possível comprar um computador com um sistema operacional 100% livre e um software de inicialização livre, pré-instalado. Você não precisa ser um gênio para rodar um software livre, e agora não precisa mais da ajuda de um gênio para instalá-lo. Os maiores retrocessos foram a ascensão da computação móvel, de desserviços bisbilhoteiros e da internet das coisas que espionam.

Como universidades e pesquisadores podem contribuir com o Movimento Software Livre?

Universidade e escolas de todos os níveis deveriam ensinar e oferecer apenas software livre aos estudantes. Softwares proprietários deveriam ser autorizados nos campi apenas para engenharia reversa.

Como a adoção massiva da internet ajuda ou dificulta o movimento?

Infelizmente, para a maioria das pessoas, "usar a internet" significa usar serviços injustos (eu chamo de desserviços) cujo propósito é capturar dados pessoais. Desserviços como Facebook, Google Maps, Google Drive, iTunes, Spotify e Netflix cometem múltiplas injustiças. Sistemas de pagamento, com exceção do dinheiro vivo, rastreiam as pessoas – nem o Bitcoin é anônimo. Dispositivos móveis não permitem substituição de software proprietário por software livre. Quase todos os aplicativos tampouco são livres – eles podem ser gratuitos, mas não são livres. Telefones celulares rastreiam as pessoas o tempo todo e podem ser convertidos remotamente em dispositivos de escuta. Por isso, me recuso a carregar um telefone celular.