As análises de pesquisa sobre o papel que um conjunto de bactérias desempenha na fermentação, nos níveis de acidez e na alteração do sabor e aroma da cachaça acabam de ser publicadas em artigo no Brazilian Journal of Microbiology, edição de abril a junho. Tendo à frente o professor Carlos Rosa, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) da UFMG, a equipe coletou amostras da bebida em duas destilarias localizadas nas cidades mineiras de Esmeraldas e Carandaí. "Durante a produção da cachaça de alambique, a contaminação do mosto fermentado é um dos fatores que levam a perdas econômicas na indústria de bebidas. A diversidade de populações bacterianas e o papel destes microorganismos durante o processo de produção de cachaça ainda são pouco conhecidos no Brasil", justificam os autores, sobre as motivações da pesquisa. Como observam, a cachaça é a mais tradicional bebida destilada brasileira. Do total da produção nacional, estimada em 1,3 bilhões de litros ao ano, a que é produzida nos moldes tradicionais, em alambique, representa 23%, ou 300 milhões de litros. "Vários estudos têm demonstrado que a fermentação do açúcar extraído da cana para a produção de cachaça é um complexo processo microbiano, envolvendo leveduras e bactérias", registram. Para isolar os "personagens" desse processo, eles utilizaram métodos fisiológicos e moleculares. A etapa seguinte consistiu em buscar informações sobre o metabolismo das bactérias durante a fermentação e a influência dos compostos secundários produzidos por elas no sabor da bebida. Mais estudos "Estas bactérias podem contribuir para o aumento dos níveis de acidez volátil, ou para a produção de compostos que influenciam o sabor e o aroma da bebida", revelam os autores. De modo geral, conforme explicam, as bactérias láticas são consideradas contaminantes da fermentação da cachaça. Esse processo pode ocorrer ainda na colheita da cana, pois elas atuam reduzindo o teor de açúcar. Apesar disso, a pesquisa não identificou "correlação entre as altas contagens de bactérias encontradas e acidez do vinho", cujo excesso, aliás, é uma das maiores causas da perda do produto. De acordo com os investigadores, essa primeira prospecção não invalida a hipótese, e novas pesquisas devem ser realizadas para determinar com maior precisão a correlação das bactérias láticas e a fermentação da bebida. Há mais de uma década, Carlos Rosa se dedica e estudos sobre processos de fermentação e produção da cachaça mineira, do queijo e do pão de queijo. Do ponto de vista prático, isso pode resultar na padronização de sabores e qualidade desses produtos tradicionais. Nos laboratórios, a via para alcançar o objetivo tem sido conhecer as interações dos microorganismos que participam desse processo. Leia, a respeito, pesquisa publicada no Boletim UFMG. O artigo Identification of lactic acid bacteria associated with traditional cachaça fermentations está disponível na base de dados Scielo.
Na pesquisa com a cachaça dos dois alambiques mineiros, eles conseguiram isolar bactérias láticas em altas frequências durante todo o processo de fermentação. Lactobacillus plantarum e L. casei foram as mais prevalentes. Em menores frequências eles também identificaram ferintoshensis L., L. fermentum, L. jensenii, L. murinus, Lactococcus lactis, Enterococcus sp. Weissella e confusa.