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Nº 1636 - Ano 35
01.12.2008

Durma-se com um barulho desses

Congresso de acústica discute aspectos técnicos relacionados a temas do cotidiano como poluição ambiental, aprendizado escolar e convivência com os vizinhos

Filipe Chaves
Colméias
Marco Vecci com equipamento para medição de ruídos:
acústica de edificações ainda é negligenciada

Léo Rodrigues

Imagine a situação de um indivíduo que trabalha pela manhã num ambiente permeado por diversos sons, estuda à tarde numa sala de aula onde a voz do professor é inaudível e, no retorno ao lar, não consegue dormir devido à música do vizinho e ao barulho do bar da esquina. Problemas como esses mereceram uma aprofundada discussão técnica durante o Congresso de Acústica e Vibrações – XXII Encontro da Sociedade Brasileira de Acústica (Sobrac), sediado pela UFMG entre os dias 26 e 29 de novembro. O evento reuniu profissionais e pesquisadores de engenharia, arquitetura e fonoaudiologia, além de especialistas de órgãos governamentais ligados ao tema da acústica e vibrações.

O evento se estruturou em quatro eixos: ruído em meio ambiente, ruído e vibração ocupacional, acústica de salas e ruído em edificações. “Essa estrutura demonstrou nossa intenção de ampliar o debate”, diz o professor Marco Vecci, coordenador-geral do Congresso. Uma das principais discussões girou em torno da norma brasileira de ruídos. A resolução 01/1990, do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), transfere a responsabilidade de legislar sobre os ruídos para a norma NBR 10-151, editada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Ela será revisada e quase todos os integrantes da comissão responsável pelos trabalhos estiveram presentes no Congresso, ouvindo contribuições de forma não-oficial. As mudanças, cujo objetivo é tornar mais eficiente o combate à poluição sonora, afetarão bares, academias, aeronaves, indústrias e outros estabelecimentos.

Norma branda

Graduado em Engenharia Mecânica pela UFMG, com mestrado pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e doutorado na Universidade da Califórnia, Marco Vecci é considerado um dos principais especialistas na área de ruídos em edificações. Ele foi responsável pelo projeto acústico do Templo da Igreja Universal, no bairro de Lourdes, em Belo Horizonte, prestou consultoria na construção do Chevrolet Hall, no bairro São Pedro, e orientou trabalhos no complexo do Expominas, na Gameleira. Durante o congresso, ele e boa parte dos demais especialistas questionaram a norma NBR 15575 da ABNT. Criada este ano, ela estabelece critérios para edificações, dedicando-se em boa parte aos sons resultantes de ruídos de impacto (passos, queda de objetos, por exemplo), e aos sons aéreos. As regras envolvem aspectos variados como a espessura de paredes, vedação de fachadas e disposição de elevadores. Na opinião de Marco Vecci, a norma é muito branda e não ataca os principais problemas constatados em residências e escritórios. Ele explica que, em diversas edificações, pisos e paredes não são capazes de reter o ruído no apartamento ou na sala de origem. Quando se ouve o barulho de um vizinho arrastando móvel no andar de cima ou de uma música vinda do apartamento ao lado, é sinal de que a edificação tem problemas estruturais. “Em uma parede de concreto, os poucos furos por onde passa a fiação elétrica permitem a propagação do som. Às vezes, numa parede de alvenaria, utiliza-se reboco nas partes inferior e superior dos tijolos, mas não se preenchem as laterais. O espaço que sobra é suficiente para a passagem do som”, exemplifica o professor, ressaltando que um bom isolamento acústico não depende apenas do sistema construtivo (alvenaria, concreto, dry-wall etc.), mas também da forma como ele foi utilizado.

Na sala de aula

A falta de tratamento acústico afeta ambientes em que o som é protagonista, como salas de cinema, teatro e outros espaços artísticos, preocupação que se reflete no elevado número de artigos científicos apresentados durante o Congresso. Marco Vecci, no entanto, aponta outro ambiente onde a questão acústica também é crítica: a sala de aula. O problema, segundo ele, tem várias implicações. Em primeiro lugar, a não-inteligibilidade da fala dificulta o entendimento do professor, que é levado a forçar a voz. O estudante, por sua vez, aprende menos do que deveria. “Estudos apontam que o índice de reprovação no primário está diretamente ligado a este problema. É uma época em que o aluno está ainda construindo o seu vocabulário. Diferentemente de um adulto, ele não consegue captar o sentido de uma frase que escuta pela metade”, diz Marco Vecci.

A Escola Estadual Paulo Mendes Campos, no bairro Floresta, em Belo Horizonte, recorreu ao professor Marco Vecci para resolver seus problemas de acústica. Por causa deles, era impossível, na sala de aula, escutar a voz do professor cada vez que um ônibus passava na porta da escola, localizada na movimentada avenida Assis Chateaubriand. Marco Vecci propôs um isolamento externo com tijolos de vidro e um tratamento interno para diminuir a reverberação do som. “As autoridades, em geral, não dão a devida atenção a essa questão. Só tomam alguma atitude em casos extremos”, relata Marco Vecci, estimando que um trabalho de tratamento acústico numa instituição de ensino sairia a R$ 70 por metro quadrado. “Algumas pessoas podem alegar que o investimento é alto, mas é importante avaliar a relação custo-benefício. Certamente, o nível de aprendizado vai melhorar”, argumenta o professor.